Em 2014, durante um protesto, ao revistar as mochilas de manifestantes na Praça Roosevelt, a Polícia Militar de São Paulo apreendeu a biografia de Marighella. Para casos do cerceamento da leitura, do pensamento, não é preciso recorrer à história do livro e da leitura no Brasil, bastar lembrar, por exemplo, episódios como o relatado por um de nossos antigos críticos Agripino Grieco, em tom de disparate, mas que se multiplicam, nos dias de hoje, à exaustão, alimentando atiçando a fogueira da censura: encarregado de “apreender os livros ‘vermelhos’ da biblioteca de um comunista”, um policial apreendeu “as obras camilianas da [editora] Parceria Antônio Maria Pereira, todas elas apresentadas em cor de sangue”. Não é preciso dizer da semelhança dos episódios, a questão é outra, como pergunta o jornalista Mário Magalhães, autor da biografia de Marighella: É crime ler?
O filme Marighella (2019), de Wagner Moura, passado dois anos do anúncio de lançamento, não teve sua estreia no Brasil. Foi censurado “por ignorância e brutalidade” da Ancine. Hoje, na Fundação Cultural Palmares, aquele que tem por tarefa corroer e arrasar a instituição por dentro, seu atual presidente, se compraz em anunciar o expurgo de livros, entre eles obras de Marighella, Franklin de Oliveira e Karl Marx. A prática fascista, como à época Secretário Especial de Cultura, Roberto Alvim, continua a todo vapor. Por falar em Especial com “E” maiúscula, o atual Secretário de Cultura do Brasil, um ator medíocre, viajou para participar da abertura do pavilhão brasileiro na 17ª Mostra Internacional de Arquitetura da Bienal de Veneza, sem conhecer sua principal homenageada, Lina Bo Bardi, responsável, por exemplo, pelos projetos do MASP, do SESC Pompeia, do Instituto Bardi (Casa de Vidro), em São Paulo, e pelo projeto de restauro do Solar Unhão, em Salvador.
No Governo Brasileiro não faltam tipos como Sérgio Camargo e Mário Frias, escolhidos a dedo, cada um disputando seu lugar no ranking da ignorância e da ignomínia. Aí vai outro, um dos favoritos para o pódio. Paulo Guedes quer, de toda forma, taxar os livros: só rico lê no Brasil, diz o ministro-banqueiro que, há pouco, esbanjava uma enorme estante vazia (agora repleta de livros comprados no quilo). Ora, como política pública, se o argumento fosse válido, não seria o caso de incentivar a leitura entre as classes pobres, barateando os livros, entre outras medidas, em vez de, cada vez mais, encarecer o seu custo final? O projeto, na verdade, sem sequer indicar os dados reais da leitura no Brasil, encarna o ímpeto fascista deste governo, que, na sanha de erradicar o livre pensamento, deixa à míngua as universidades públicas, os museus, os centros de pesquisa e ciência, as bibliotecas, até que baixem as portas.
Sérgio Camargo, certamente, não vai sequer folhear os livros de Marighella ou de Karl Marx, antes de inscrevê-los no seu índex. Mario Frias, tampouco, não vai ler a recém-publicada biografia de Lina Bo Bardi, de Francesco Perrotta-Bosch. Paulo Guedes, assim como o seu chefe imediato, tem imenso desprezo pelos livros e pela leitura. Quando muito, em matéria de leitura, estão interessados apenas na reprodução de notícias falsas, tão difundidas por este governo. Estas sim – querem eles – o povo pode ler e compartilhar. No fim, pensam em fazer do Brasil um imenso cercadinho do Palácio da Alvorada.
Neste cenário de destruição, a tomada das ruas por Vida, Pão e Vacina é um grito a favor da ciência e dos livros, alimento para o corpo e para alma.
*Doutorando em História Social pela UFC e integrante do Plebeu Gabinete de Leitura.
Edição: Monyse Ravena