Desde o início do mês de maio, movimentos populares, ONG’s e ambientalistas lançaram a "Campanha Cearense Permanente Pela Vida – Agrotóxico Não, Agroecologia Sim!", que traz como pauta o fim da isenção fiscal de agrotóxicos no estado do Ceará. Rafaela Lopes, geógrafa e doutoranda em geografia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) diz que é preciso compreender o motivo dos agrotóxicos terem isenção fiscal no estado, “o discurso que se coloca em pauta é que a isenção fiscal de agrotóxicos é imprescindível para a economia brasileira, mais especificamente, para os ruralistas”. Rafaela explica que, segundo dados do Tribunal de Contas da União (TCU), só no período de 2011 a 2016, os agrotóxicos tiveram um total de seis bilhões de reais de isenção e que, com o aumento do número de agrotóxicos liberados, este valor aumentou consideravelmente. Desde 2004, de acordo com ela, este setor vem sendo beneficiado pela lei 10.925, que prevê a isenção do pagamento na importação dos venenos e sobre a receita bruta, a partir da venda no mercado interno. “Sabe-se que o atual governo apoia as políticas solicitadas pelos empresários do agronegócio e isso é materializado a partir das políticas criadas para financiamento e apoio ao setor. O que se prega é que o uso de veneno é necessário para a manutenção do agronegócio, visto que este setor contribui para o desenvolvimento econômico do país”, afirma.
Sobre o fim da isenção de agrotóxicos, Rafaela afirma que a iniciativa pode contribuir para a criação de novas políticas públicas que viabilizem a produção sem venenos, “o fim das políticas de isenção de venenos traria benefícios para a população e para o ambiente, visto que estes químicos afetam trabalhadores e consumidores e que se contaminam direta e/ou indiretamente”.
Um artigo publicado no dia 20 de abril deste ano, no site: contraosagrotoxicos.org, informa que durante o governo Bolsonaro, desde janeiro de 2019, foram registrados 1.059 agrotóxicos. Destes, cerca de um terço é proibido na União Europeia por conta dos riscos à saúde e ao meio ambiente. Rafaela Lopes, explica que um dos agrotóxicos mais perigosos que é usado comumente no Brasil é o Paraquat. Ela também expõe que na lista dos que foram aprovados até 2019, tem os seguintes agrotóxicos que foram liberados para uso no Brasil e foram banidos na União Europeia: Tricolfon, Cihexatina, Abamectina, Acefato, Carbofuran, Forato, Fosmete, Lactofen, Parationa Metílica e Thiram.
Desde 2008, de acordo com ela, o Brasil vem sendo o maior consumidor de venenos. “Estes produtos, ao contrário do que é posto, são produtos que estão sendo colocados no mercado e, consequentemente, causarão uma maior exposição e danos à saúde humana e ao meio ambiente”.
Menos agrotóxicos na mesa
Fernando Carneiro, biólogo, doutor em epidemiologia e pesquisador da Fiocruz Ceará afirma que para diminuir o consumo de agrotóxicos no Ceará é preciso ter mais apoio para a agroecologia., "não basta proibir o uso de agrotóxicos, é preciso fomentar a agroecologia. Mais do que nunca é necessário ter uma campanha atual contra o uso de agrotóxicos e pela agroecologia”.
Adelita Chaves, agrônoma, mestranda em educação, educadora da Escola Família Agrícola (EFA) compartilha do mesmo pensamento sobre a importância do fortalecimento da agroecologia para a diminuição do consumo de alimentos com agrotóxicos e complementa ao dizer que são necessárias políticas públicas voltadas para a produção de alimentos com base na agroecologia, fornecendo o suporte necessário para as famílias camponesas poderem produzir alimentos sem a utilização de agrotóxicos, tendo garantido o direito à terra, à água, à tecnologia, à assistência técnica, aos recursos financeiros necessários. “Além disso, é necessário que o Estado deixe de apoiar a utilização de agrotóxicos, os quais nem impostos pagam, pois além de contaminarem os alimentos e nos adoecerem, prejudicam os solos, as águas, inclusive as subterrâneas, e até mesmo o ar que respiramos”, complemente.
Projeto nº 156/15?
O projeto de indicação nº 156/15, de autoria do deputado Moisés Braz (PT), sugere a criação de uma Política Estadual de Agroecologia e de Produção Orgânica como instrumento de promoção do desenvolvimento sustentável. Adelita Chaves afirma que a implementação do projeto nº 156/15 é importante para apoiar e fortalecer a agroecologia em território cearense. “Assim, teríamos apoio e valorização dos povos originários e tradicionais, das famílias camponesas, dos movimentos agroecológicos, da assistência técnica, de pesquisas, de tecnologias sociais e da segurança e soberania alimentar e nutricional. Bem como, o fortalecimento da equidade de gênero, geração, étnica e socioeconômica, da agrobiodiversidade, dos cuidados com os solos, as águas e o ar. Além de impulso aos canais curtos de comercialização e consequentemente maior acesso a alimentos sadios pela população”.
Fernando afirma que o Ceará pode se tornar modelo para todo o Brasil. "O estado do Ceará, assim como foi modelo no Brasil com a proibição da pulverização aérea, pode ser modelo nacional com o financiamento de práticas agroecológicas. É uma oportunidade incrível do Ceará ser um grande modelo para o Brasil!"
Lei Estadual 16.820/19
A Lei Estadual 16.820/19, também conhecida como Lei Zé Maria do Tomé, de autoria do deputado estadual Renato Roseno (PSOL), já existe há dois anos, ela proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos em todo o estado do Ceará e foi pioneira no Brasil. Para o geógrafo, doutor em geografia e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Leandro Cavalcante, a aprovação da Lei representa uma conquista muito importante para todos que sofriam cotidianamente com os impactos da pulverização aérea de agrotóxicos em suas comunidades. “Na Chapada do Apodi, no Ceará, isso era uma realidade constante e que tirava o sono e a saúde dos moradores, já que era comum a prática do despejo de agrotóxicos por aeronaves nas plantações de banana, e que por vezes banhava também os quintais, os reservatórios d’água e as casas das comunidades, como ocorria sobretudo no [comunidade] Tomé”, afirma.
Os impactos dessa Lei, segundo Leandro, já são visíveis e significativos dentro desses dois anos de existência. Para ele, há um impacto positivo do ponto de vista ambiental e social direto na vida das pessoas que residem em comunidades cercadas pelo agronegócio, “especialmente naquelas onde as monoculturas de bananas eram banhadas de veneno, como ocorria na Chapada do Apodi e no Cariri”. Para ele, essa mudança apresenta um grande alívio para as comunidades do estado do Ceará, diferente do que recentemente foi observado em outros estados pelo Brasil, a exemplo do que ocorreu no Maranhão, no Pará, em Goiás e no Rio Grande do Sul. “Nesse sentido, o Ceará é o exemplo a ser seguido no Brasil e no Mundo. É uma Lei que garante a manutenção da vida nesses territórios vulnerabilizados pela ameaça do agronegócio e dos agrotóxicos”.
Edição: Monyse Ravena