A forma como o governo estruturou a PEC Emergencial, opondo os salários e direitos do funcionalismo público às medidas de assistência social, revela sua diretriz econômica e social. Toda medida para atender aos mais pobres – diante da grande pressão da sociedade – tirará recursos do funcionalismo público e dos serviços que atendem a essa mesma população desvalida. Ou seja, as medidas redistributivas estarão limitadas à contribuição das camadas sociais médias e à possibilidade de reduzir orçamento dos serviços essenciais, como saúde e educação, de maneira que as grandes fortunas e o capital financeiro permaneçam intocados. É para preservar os ganhos espúrios dos mais ricos que o governo ataca direitos e sonega os recursos essenciais ao enfrentamento da epidemia que já nos roubou a vida de mais de 303 mil brasileiras e brasileiros.
No último dia 12 de março, foi votada e aprovada em 2º turno na Câmara dos Deputados o que ficou conhecida como PEC Emergencial. Nascida em 2019, como Proposta de Emenda Constitucional nº 186, ela agora é Emenda Constitucional (EC) nº 109/21 – número legislativo atribuído à PEC 186 após sua promulgação e publicação no Diário Oficial da União. O principal ataque ao funcionalismo público nela contido foi a possibilidade de congelamento salarial por um período longo, o que resultaria num confisco salarial e numa desvalorização sem precedentes das importantes carreiras que servem à sociedade, em instituições públicas. Após intensa pressão social, conseguiu-se ao menos manter a possibilidade de promoção e progressão funcional de servidores/as.
Através de parecer técnico de sua Assessoria Jurídica, a ADUFC-Sindicato analisou os impactos da aprovação da PEC 186 no reajuste da remuneração de servidores públicos. De forma geral, segundo o parecer, a PEC 186 deve ser interpretada como uma espécie de continuidade, de uma nova “PEC do Teto” dentro do Novo Regime Fiscal (EC n° 95 de 2016). Juntamente com as várias reformas administrativas, previdenciárias e orçamentárias feitas na Constituição Federal, o alvo é um só: retirar os direitos para os servidores públicos. A avaliação jurídica é que se trata não de um fato isolado, e sim de uma continuidade.
A análise deu-se a partir de um ponto de partida: o possível “congelamento de salários por 15 anos”. Ou seja, qual o impacto da PEC Emergencial nos próximos reajustes da remuneração de servidores públicos? Esse período é referente à alteração que a PEC 186 faz na EC 95/2016 (ainda do governo Michel Temer), que congelou investimentos em setores importantes como saúde e educação, e com um prazo de atuação de 20 anos. Como a EC 95 é de 2016 e a PEC 186 foi aprovada em 2021, esse congelamento deve ser estendido por mais 15 anos – mas não passa por uma regra automática.
Os impactos da agora EC 109/21 na educação e no serviço público também foram analisados pela Assessoria Jurídica Nacional (AJN) do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), que é categórico: “uma das medidas mais duras já aprovadas no ordenamento jurídico brasileiro desde a redemocratização do Estado”.
O governo de Jair Bolsonaro culpabiliza os servidores públicos nos ajustes fiscais, enquanto deixa de taxar o lucro, as grandes fortunas e promove gastos absolutamente desnecessários com o dinheiro público. Camuflando sua necropolítica e com o argumento inverídico de garantir um ajuste fiscal nas contas públicas, o governo usou a matéria para chantagear o Congresso e a sociedade. Em troca do benefício, apresentou medidas para reduzir recursos dos serviços públicos, prejudicando o próprio combate à pandemia e atingindo a população como um todo.
A superação desse quadro só é possível diante de uma atuação combativa, por parte, sobretudo, das entidades sindicais, na defesa dos direitos dos servidores públicos e dos trabalhadores em geral, tanto no âmbito jurídico quanto político. Todas essas medidas podem e devem cair, sobretudo, a criminosa EC 95 do teto de gastos. As grandes tarefas de entidades de trabalhadores e movimentos sociais hoje são derrubá-las e obrigar os super-ricos a contribuírem com as políticas redistributivas.
*Vice-presidente do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará (ADUFC) e professora do Departamento de Literatura da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Edição: Francisco Barbosa