O mercado ficou preocupado com a recuperação dos direitos políticos do ex-presidente
Após a inesperada decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, de determinar, mesmo com cinco anos de atraso, a incompetência da 13º Vara Federal de Curitiba para julgar o fatídico caso do triplex de Guarujá e a consequente anulação das condenações contra Lula relacionadas à Operação Lava Jato, assistimos a um bombardeio de matérias e declarações acerca do comportamento do mercado diante desse novo cenário. O mercado, segundo a grande mídia, ficou bastante nervoso e preocupado com a recuperação dos direitos políticos do ex-presidente petista e com o seu retorno ao jogo político que tem se desenhado para a disputa eleitoral em 2022. Em outros momentos, o mercado demonstra alegria e otimismo, principalmente quando são anunciadas reformas que flexibilizam e retiram direitos, quando ajustes fiscais são implementados para conter “gastos” públicos ou quando são ventiladas promessas de privatizações de empresas estatais.
Mas afinal de contas, quem é esse tal mercado? Não tenho espaço, e talvez competência para desenvolver uma análise mais densa e técnica sobre o tema, sendo minha intenção, tão somente, ajudar na desmistificação que gira em torno dessa entidade aparentemente abstrata, quase que divina.
Ao longo do século XX, o processo de financeirização da economia se intensificou e acabou ganhando certa autonomia frente ao mundo da chamada economia real (a própria indústria, o comércio, a agricultura), forjando uma espécie de aristocracia rentista que conduz, a ferro e fogo, o negócio de ações mundo afora. No gráfico abaixo podemos observar esse processo a partir da comparação da evolução entre o estoque de capital fixo produtivo (máquinas, equipamentos, instalações, infraestruturas, etc.) e de ativos financeiros não monetários (ações, títulos públicos e privados, etc.) na economia brasileira. Na medida em que o primeiro aumentou em torno de 40%, entre 1996 e 2019, o segundo cresceu 400%.
Na verdade, esse mercado tem nome e sobrenome. O nome é capital financeiro, definido por Vladimir Lenin, em seu clássico Imperialismo, fase superior do capitalismo, publicado em 1917, enquanto a fusão entre os capitais industrial e bancário. Os sobrenomes são instituições financeiras e fundos de investimentos, controlados por agentes que, no Brasil, exercem chantagens e lobby frente ao Banco Central, à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e ao Conselho Monetário Nacional (CMN). Para se ter uma ideia do grau de especulação que reina no Brasil, aqui existe o maior número de fundos de investimento no mundo e, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), os bancos no Brasil cobram as maiores taxas de juros do planeta para consumidores e empresas.
Também atuam nesse ambiente os super-milionários que, majoritariamente, nunca fincaram um prego em uma barra de sabão e vivem de especular e manipular o câmbio e as negociações nas bolsas de valores, muitas vezes em conluio com setores da imprensa empresarial, a partir de um verdadeiro terrorismo midiático que visa legitimar políticas econômicas fincadas no blá blá blá neoliberal de meta de inflação, superávit primário e câmbio flutuante.
Como especialistas na arte de especular, a intemperança do mercado com a elegibilidade de Lula representa justamente a reação da elite rentista nacional e internacional com a possibilidade de uma inversão de prioridades na condução da política econômica com uma possível vitória eleitoral do ex-presidente.
Assim, quanto maior os preços dos alimentos, mais feliz fica o mercado. Quanto mais arrocho sobre os trabalhadores, mais entusiasmado fica o mercado. Quando menor o salário mínimo, mais calmo fica o mercado. Quanto menos investimentos em saúde e educação, mais estável fica o mercado. Quanto mais ameaça ao projeto ultraliberal em curso, mais aguerrido fica o mercado na defesa de Bolsonaro e Guedes. Já diante das milhares de vítimas da pandemia, o mercado permanece com sua indiferença sórdida.
Edição: Francisco Barbosa