Em meio às muitas emissoras de rádios comerciais que detém a maioria das programações diárias em radiodifusão, comunidades rurais e urbanas tentam se colocar no rádio com uma perspectiva de construção diferente, com a integração e participação do público, da produção de conteúdo a decisões editoriais. Na região do Cariri, algumas experiências em rádios comunitárias estão se organizando com o objetivo de produzir conteúdo diverso que vai da cultura e tradição popular a arte urbana do movimento hip hop da região.
Projeto
Em meados de 2013 foi criado o Coletivo Oficina Ensaio Aberto Break Dance, com o objetivo de incentivar e empoderar as pessoas das periferias do município do Crato com arte e cultura Hip Hop. A iniciativa partiu de Ricardo Alves, militante do movimento hip hop e integrante do Coletivo Camaradas e do B-Boy João Paulo, com as ações inicialmente realizadas no bairro Seminário e se popularizando para outras localidades da cidade em seguida. Ricardo formou parceria com Francisco Nascimento, membro da Associação Comunitária Mensageiros da Paz e da Instituição “Postim Cultural”, quem deu a ideia de trabalhar com rádio. “Eu inscrevi o projeto na Lei Aldir Blanc já pensando em potencializar e financiar a instrumentalização dessa rádio. Nós trabalhamos na linguagem da dança, mas fortalecemos outros processos na linguagem hip hop, daí vejo que a rádio pode potencializar também o rap”, diz Ricardo
O coletivo buscou diversas parcerias para compor a programação que será construída de forma participativa. As cooperações serão distribuídas em uma grade de programação que está em andamento para definição, inclusive com programação informativa, através de colaboração junto com o curso de Jornalismo da Universidade Federal do Cariri (UFCA). A transmissão será via web rádio, além das “bocas de ferro”, como é conhecida popularmente a transmissão de conteúdo de rádio através de caixas de som ou cornetas ligadas em locais, geralmente a postes. “O rádio é uma forma de comunicação direta, ainda muito escutado pelas camadas populares. Se a gente conseguir, através da rádio de poste e da internet, disseminar mais ideias e mais cultura, nós vamos alcançar nosso objetivo que é a transformação social através da rádio”, explica Ricardo.
Rádio cultural
No sítio Carrapato, localizado no município de Crato, funciona desde fevereiro de 2019, a Rádio Literária Carrapato, iniciativa realizada a partir de um ponto de cultura instalado na comunidade. O Carrapato é conhecido por ser base cultural da região, mantendo um grupo de tradição cultural como o Maracatu Nação Uinu-Erê. A rádio funciona 24 horas via web rádio funcionando também com transmissão local por caixas de som distribuídas pela comunidade, contando com programação própria e retransmissões. “A nossa programação é bem diversificada. Temos música, promoções, ligações da comunidade que interage pedindo música, incentivo à leitura e programas especiais que fazemos dentro da rádio”, relata Samuel Nascimento, universitário e presidente da associação da comunidade. A locução é feita de forma voluntária por moradores da comunidade, que doam um pouco do seu tempo para fazer parte da construção coletiva da rádio. “A gente busca incentivar, dentro da rádio, valorizar o empreendedorismo da comunidade, fazendo a divulgação das produções que são feitas por aqui e acolhendo sempre as demandas que chegam até nós”, diz Samuel.
Referência
O Assentamento 10 de Abril é um marco na luta pela conquista da terra, na região do Cariri. Na história da construção da comunidade não faltam relatos que narram os feitos de quem participou ativamente da ocupação das terras que, este ano, completará 30 anos. Essas narrativas históricas também foram tema da programação da Rádio Versos de Conquista, que está instalada no assentamento desde 2016, após passar por um período de reativação de equipamentos, por proposição de um projeto de extensão que trabalhou junto com a juventude da comunidade. “Nós fomos organizando um grupo de jovens que ficou muito ativo na comunidade. Por conta disso, a Universidade Federal do Cariri veio aqui com uma proposta de um projeto chamado A Voz da Juventude do Assentamento 10 de Abril, que iria trabalhar com a juventude. Nós nos reunimos, lemos o projeto e achamos muito interessante, pois foi uma oportunidade da comunidade valorizar os seus jovens”, comenta Bruna Gomes, comunicadora popular e integrante do grupo de jovens do assentamento.
Ela conta que o projeto trabalhou em três eixos, agroecologia, gestão associativa e comunicação comunitária, da qual ela fez parte. O eixo de comunicação trabalhou com a formação baseada na partilha de conhecimentos sobre jornalismo e comunicação social, trabalhando de forma integrada com a memória da luta do assentamento. “Nós reativamos a rádio, tivemos um trabalho pesado, mas valeu muito a pena. Fizemos a escolha da programação de forma coletiva, visitando as famílias nas casas, conversando sobre o que a comunidade gostaria de ouvir na nossa rádio. Foi um processo muito lindo”, conta a jovem comunicadora. No momento, a rádio está com a programação reduzida por conta da pandemia, que diminuiu o ritmo da programação, no entanto, de acordo com Bruna, a rádio mantinha uma programação semanal, pela manhã e a noite, com produções de notícias próprias em boletins gravados e ao vivo, além de músicas e retransmissões de rádios do MST.
Edição: Francisco Barbosa