Lojas, shoppings, bares, restaurantes, academias, equipamentos culturais não poderão funcionar.
No dia 19 de março, completa-se um ano da publicação do decreto estadual que determinou as primeiras medidas de combate à propagação da covid-19 no Ceará, como o fechamento do comércio, templos, igrejas, museus, barracas de praia, interrupção do serviço de transportes intermunicipais, barreiras nas rodovias, dentre outras iniciativas.
Após esses meses de lutas e lutos enfrentamos no Brasil, mesmo com o início da vacinação, um dos momentos mais críticos da pandemia, com recordes no número de mortes diárias e de contaminação, leitos hospitalares lotados, lentidão na imunização e até falta de oxigênio.
Nessa quinta, dia 4, o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), anunciou mais um conjunto de medidas restritivas para Fortaleza, epicentro da crise sanitária no estado. Pelos próximos 15 dias, lojas, shoppings, bares, restaurantes, academias, equipamentos culturais e clubes não poderão funcionar. Com exceção das creches, as escolas particulares também terão suas atividades suspensas. Ainda estão proibidas o desenvolvimento de atividades físicas, mesmo que individuais, em espaços públicos e a prática de esportes coletivos oficiais e amadores. Apenas as partidas de futebol da Copa do Nordeste e da Copa do Brasil poderão acontecer. Algumas cidades do interior também já adotaram o chamado isolamento social rígido, outras estão avaliando a tomada de medidas semelhantes.
Nesse cenário, problematizo algumas afirmações polêmicas que emergem acerca dos impactos dessa decisão governamental na saúde e na economia do estado.
1. Lockdown é uma medida muito radical. Numa tradução livre, lockdown significa confinamento. As várias medidas de distanciamento social adotadas nas cidades brasileiras e cearenses ao longo de toda a pandemia têm sido bastante brandas se comparadas às rígidas restrições impostas em outros países, mesmo em situações menos caóticas como a que estamos vivenciando no Brasil. Portanto, o próprio uso do termo lockdown no Brasil, e neste momento, no Ceará, é um equívoco.
2. O governo estadual não tem feito nada para compensar empresários e trabalhadores. O estado do Ceará, e quase todos da federação, possui muitos limites orçamentários para a adoção de medidas que atenuem as consequências negativas desse decreto. Mesmo assim, o governo cearense lançou um pacote de apoio para alguns setores da economia, sobretudo, de eventos, cultura, restaurantes, bares e demais estabelecimentos de alimentação. Lembro ainda que a construção civil e a indústria, além dos chamados serviços essenciais, continuam em atividade. Por outro lado, ações mais ousadas devem ser tomadas nesse momento extraordinário, a partir da inversão de prioridades por parte do governo estadual e do poder legislativo. Por exemplo, a suspensão dos incentivos fiscais milionários ao agronegócio que já duram décadas, responsável pela arrecadação de vergonhosos 0,1% do ICMS estadual e repassar esse milhões de reais não arrecadados para ações emergenciais de enfrentamento à pandemia e suas sequelas. Destaco ainda a necessidade da estruturação de uma verdadeira política de inclusão digital em todas as regiões do estado, sobretudo, para minimizar as desigualdades educacionais aprofundadas pela implantação do ensino remoto.
3. Cada prefeito deve ter autonomia para decidir o que fazer. Esse é um problema grave que deve ser superado. Fortaleza adota medidas mais restritivas de isolamento social e o município vizinho, Caucaia, não. Qual o sentido disso? Se as ações não são coordenadas, sobretudo entre cidades que fazem fronteira, todos os esforços e sacrifícios empreendidos podem ir por água abaixo. Se os municípios do interior continuarem transferindo pacientes em estado grave para os hospitais da capital, como tem ocorrido com frequência, não haverá liberação de leitos de UTI para as vítimas que esperam por vaga.
4. O Impeachment de Bolsonaro vai dificultar o combate à covid-19. Muitos governadores e prefeitos que se posicionam de forma crítica aos mandos e desmandos do presidente da república, como Camilo Santana, afirmam que uma possível abertura do processo de impeachment, mesmo com incontáveis atrocidades e crimes de responsabilidade cometidos pelo chefe do executivo federal, é uma medida extremada, ainda mais, nesse contexto pandêmico. Um grande equívoco! A saída de Bolsonaro do Palácio do Planalto tornou-se uma condição urgente para o próprio enfrentamento à pandemia, que vai se perdurar ainda por muito tempo. Ele é o principal obstáculo para a tomada de medidas que diminuam a circulação do vírus, para a continuidade de um auxílio emergencial minimamente digno e para a aquisição de vacinas. Precisaremos de mais quantos cadáveres?
A cena surreal de amálgama entre autoritarismo, fake news, incompetência, negaciosismo e impunidade, desfilando num carro a céu aberto pelas ruas de Tianguá, em visita de Bolsonaro ao Ceará, no dia 26 de fevereiro, para autorizar a retomada de algumas obras federais simboliza, de forma cristalina, a situação do Brasil nesse contexto dramático.
Edição: Francisco Barbosa