A Lei Aldir Blanc de Emergência Cultural tem chegado onde antes nunca havia chegado uma política pública para a cultura, pelo menos não com esse impacto direto no sustento de trabalhadoras e trabalhadores da cultura e arte Brasil adentro. É claro que existem limitações, como prazos apertados, o despreparo das gestões públicas nos municípios e a própria pandemia, motivo para a criação da Lei.
A crise do coronavírus tem obrigado aos artistas a modificarem a forma como criam, produzem e executam seus trabalhos, fazendo por exemplo que dependamos muito de apresentações ao vivo pelas plataformas digitais. Mas a televisão, o rádio e a mídia impressa – jornais e revistas, seguem ainda sendo distantes para o grosso dos profissionais do setor que sofrem para que um trabalho seu chegue as páginas culturais ou vire pauta. Já na internet a grande questão é conseguir acessar os algoritmos. Imagina para uma Mestra ou um Mestre da Cultura que sempre se apresentou nos terreiros rodeado de gente, ter que fazer uma conta no instagram para conseguir continuar acessando os recursos, que sempre foram escassos. Isso é um caso, entre muitas aspas, extremo, mas mesmo para jovens artistas já desde sempre vinculados as redes tem sido difícil manter uma interação que gere público em mídias sociais. As lives começam a não parecer mais o espaço salvador – cenas para os próximos capítulos.
Vale lembrar que a TV e o rádio são ainda os meios de comunicação mais acessados em nosso país. Muitas pessoas que não tem acesso a celular ou a internet, cidades inteiras sem acesso a rede mundial de computadores.
Outro grande problema tem sido os prazos apertados. Na realidade isso faz parte de uma política maior do governo federal, que age para barrar o acesso por parte do setor aos recursos do Fundo da Cultura, para que os artistas Brasil afora, que muitas vezes são críticos a gestão federal e contribuem para uma elevação da nossa cultura como povo, ampliando a capacidade de leitura crítica do mundo, fiquem sem ter como se sustentar. Podemos ver isso nas escolhas em relação a Cultura, fim do Ministério da Cultura, escolha de secretário que idolatrava o ministro nazista, secretária que banalizava as vidas perdidas na pandemia e na ditadura, o secretário Frias que ninguém nem vê, os quadros que foram expulsos do Palácio do Planalto, a censura a produções audiovisuais LGBTs… a lista é infindável.
Já o despreparo das gestões públicas municipais, que estão responsáveis por executar uma parte significativa da Aldir Blanc tem dois lados, um tem haver com as prioridades das gestões, que geralmente passa bem longe da cultura, salvo raras gestões progressistas ou de esquerda que dão alguma atenção ao setor, vale dizer que muitas cidades, sobretudo as menores, nem tem secretaria de cultura e as vezes quando tem é uma secretaria que junta várias outras pautas, como esporte e educação, o segundo ponto diz respeito a escolha de quem faz a gestão da pauta que geralmente não tem formação técnica, não tem vivência prática e nem monta uma equipe de qualidade na pasta, rifando os cargos para os aliados da gestão. Isso aconteceu em Fortaleza, por exemplo. É triste, mas esse despreparo tem feito com que várias prefeituras não tenham conseguido executar os recursos e quem sofrem são os artistas. Tristemente muitas prefeituras estão devolvendo montantes significativos de recursos por não conseguirem executar o mesmo.
Mesmo com esses problemas todos, que devem ser acompanhados de perto pelos profissionais da cultura e pelos seus representantes, tenho percebido que muitos artistas e produtores culturais que nunca tinham conseguido acessar um recurso público para executar seus projetos conseguiram. São poetas lançando seu primeiro livro, grupos de teatro e dança montando e circulando espetáculos, músicos gravando seus discos e clipes, a galera do cinema produzindo seus filmes e os artistas visuais montando exposições e fazendo intervenções urbanas. Sem falar nos espaços culturais que também receberam uma ajuda para manterem-se funcionando, fomentando arte.
Imaginemos juntas e juntos se essa lei deixasse de ser emergencial e passasse a ser uma destinação anual de recursos para o setor, imaginemos que com a vinda de recursos o poder público das cidades percebesse a importância da pasta e colocasse uma equipe capacitada para fazer a gestão, imaginemos o tanto de arte de qualidade que teríamos acesso, o quanto melhoraria nossa qualidade de vida. Galeano fala da utopia em seu “livro dos abraços”, ela serve para nos colocar em movimento. É isso que proponho aqui, algo para nos colocar em movimentos contra os grilhões éticos, estéticos e políticos impostos por esse governo federal que temos, mas não somos obrigados a obedecer; sejamos desobedientes.
A construção das políticas públicas é feita comumente pelo legislativo, ou seja, vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores, por isso a escolha desses representantes é essencial, assim como a nossa cobrança e acompanhamento do que eles tem feito.
Tomemos essa pequena experiência com a Aldir Blanc como exemplo do que pode se tornar a cultura e arte brasileira e vamos as ruas para que ela se torne uma lei permanente, isso faz parte da transformação do Brasil um país melhor, rumo ao futuro.
*Esse título se inspira na forma que era muito comum nos cordeis, que costumavam dar um título principal e um título alternativo, convidado o leitor e a leitora a assumirem uma postura ativa em relação a leitura.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Monyse Ravena