Maria Lucineide da Silva, conhecida como Peteca, mora na comunidade Baixio dos Oitis, na zona rural do município do Crato, na região do Cariri cearense. Peteca tem 37 anos e sempre morou na comunidade. Lá passou a infância, período em que alegria e tristeza se misturavam. A família de Peteca plantava o próprio arroz, milho, fumo e criava galinhas e ela mesma já trabalhava desde criança. Tristeza pela companhia constante da pobreza da família, mas com a alegria de todos reunidos trabalhando na terra. O amor ao Baixio dos Oitis foi cultivado por toda a vida. “Eu gosto de viver aqui, tem a história da minha família da minha avó, que mesmo com a vida sofrida éramos felizes pois é ali onde tinham seus filhos, seus netos que sempre estavam com ela, ajudando na roça, plantando e colhendo e além do mais ela produzia o próprio fumo para ela consumir e vender. Ela fazia aqueles rolos de fumo e saco de crueira para vender e fumar”, rememora Peteca.
As famílias da comunidade vivem há gerações na terra como moradoras. O título oficial pertence a um latifundiário da região, mas há um século famílias plantam e colhem daquela terra. Segundo o professor Liro Nobre, pesquisador do Grupo de Estudos Agrários (GEA), da Universidade Regional do Cariri (Urca), a origem desse conflito é antiga, já que regras são impostas às famílias pelo dono da terra, inclusive a imposição de pagamento de renda da terra. Atualmente a situação se agravou, como conta Liro “exigiam renda de alguns produtos que moradores não pagavam, como por exemplo siriguela e agora estão exigindo. O estopim do conflito atual foi essa questão da siriguela. As mulheres começaram a perceber que estava errada essa cobrança e acionaram uma advogada para ver a questão jurídica”.
Quando a movimentação ganhou volume, também aumentou a intimidação, segundo Liro, “como começaram a questionar as ordens dele, o dono tentou intimidar, retaliar essas três mulheres, principalmente a Peteca”, que teve a casa atacada. Para Peteca “é prazeroso viver aqui sabe? Você acordar e viver aqui onde existe a história da minha família, onde todas viveram aqui que não tiveram de sair e de quem também já partiu para o céu. Eu tenho boas lembranças da minha família (...) isso tudo me fez e me faz muito feliz. Por tudo isso é que eu vou lutar para ganhar o que já é meu, já considero meu”.
Segundo Danielly Pereira Clemente, advogada que iniciou as ações jurídicas, já tramita uma ação de manutenção e outra de reintegração de posse que já obteve uma liminar em favor de Maria Lucineide (Peteca), “foi aberto também um inquérito policial exatamente para investigar o crime de danos e obviamente equacionar essas indenizações”, afirma a advogada. Além das ações, de acordo com Danielly outras soluções jurídicas estão sendo buscadas como o usucapião, já que os moradores têm relação com a terra, se identificam como donos, vivem ali há gerações e existe uma relação de pertencimento com a terra e através do usucapião podem se consolidar como proprietários. Hoje, o processo está substabelecido para o escritório de Direitos Humanos Frei Tio da ALCE.
Peteca conta que quer viver toda a sua vida no Baixio dos Oitis junto com suas famílias e suas lembranças, “Eu gosto muito daqui, minha vida e história, tudo ao meu redor eu amo, e eu vou lutar e vou vencer. Aqui eu tenho minhas plantas, faço meus florais, meus lambedores, quando as pessoas estão doentes elas vem aqui em casa. Eu queria que o pessoal daqui também acordasse para a situação que estamos vivendo, porque não estão expulsando a gente diretamente, mas indiretamente, dizendo que aqui não é nosso, mas é sim”. Peteca é uma das representantes da quarta geração de sua família que vive e se alimenta da terra do Baixio dos Oitis.
A reportagem tentou por vários dias entrar em contato com José Kleber Calou Filho, que reivindica a posse da terra, mas não obteve sucesso.
Edição: Vanessa Gonzaga