Os profissionais de saúde estão na linha de frente no combate e prevenção ao coronavírus. Mas você já se perguntou como toda essa nova condição a qual estamos sujeitos afetou esses profissionais? Como é o dia a dia desses médicos e enfermeiras que lidam constantemente com pacientes que estão com covid-19? João Rodrigues é médico generalista, e trabalhou durante a pandemia da covid-19 em Unidade Básica de Saúde e em Unidade de Pronto Atendimento. Ele explica que, notou uma demanda crescente por profissionais nos diversos locais de atendimento como postos, Hospitais, UPAs, etc e uma "valorização" salarial que, segundo ele, na verdade escondia a sobrecarga de trabalho, visto que diversos profissionais precisaram se ausentar por apresentar sintomas. Além disso, uma grande pressão psicológica de estar em unidades com pessoas morrendo com muito mais frequência do que o habitual. “Senti que, inicialmente, o fluxo de pacientes no geral diminuiu (todos em casa temerosos pela pandemia, as empresas fechadas, enfim, quaisquer motivos), porém hoje mudou bastante. Desde o início do ano - após Natal e Reveillon, observo uma explosão no número de atendimentos, agora devido o retorno das atividades comerciais associado ao grande número de paciente sintomáticos respiratórios. O estresse da quantidade de pacientes graves mudou para o estresse da quantidade de pacientes. Porém, atualmente sem a anterior valorização salarial”.
João também explica que, o fato de ser profissional de saúde, apesar de visto como algo positivo na mídia tornou-se quase um estigma social no prédio em que mora, fato que também é observado por outros colegas dele. “Vizinhos não queriam usar o mesmo elevador, por exemplo. A vida mudou bastante para além do trabalho também, mas como é algo que afetou a todo mundo, acho que esse ponto de vista vale mais a pena iluminar, da minha parte”.
Questionado se há algum acompanhamento especial voltado para os profissionais da saúde, João afirma que não há um acompanhamento especial o que existe é rede de contato e mais acesso aos mesmos serviços oferecidos ao restante da população.
Já Francisca Luciana Almeida Colares, médica residente de Medicina de Família e Comunidade explica que no período do primeiro pico presenciou algumas iniciativas em estabelecimentos de saúde específicos referentes aos cuidados em saúde mental, como disponibilização de psicólogos para profissionais envolvidos no cuidado a pacientes com covid-19 que vieram a desenvolver transtornos ou sofrimento mental durante aquele período. Ela também afirma que havia o serviço de teleatendimento disponibilizado pelo Governo do Estado do Ceará, em que o profissional poderia entrar em contato por telefone ou mensagem e conversar com psicólogos e ser direcionado de acordo com o caso. “Porém, creio que com o parcial controle da pandemia aqui no estado nos últimos meses, muitos serviços assim foram desativados, o que preocupa, pois estamos enfrentando novamente aumento do número de casos e internações”. Já em relação ao cuidados clínicos com profissionais de saúde que vieram adoecer por covid-19 por exemplo, ela diz que não se recorda de um acompanhamento específico, mas acompanhamento pelo SUS ou por planos de saúde de maneira habitual, como os outros pacientes.
Uma técnica de enfermagem, que preferiu não ter seu nome divulgado nessa matéria, desabava sobre a situação dos profissionais da saúde. Ela afirma que as pessoas acham que agora, por conta da pandemia, é que os profissionais de saúde estão trabalhando em meio a dificuldade, mas ela afirma que isso sempre foi assim. “A diferença é que agora mais pessoas precisam de atendimento, mas as dificuldades sempre existiram: Falta de respirador, vaga de UTI, medicamentos, profissionais com escalas desumanas, e por aí vai. Pessoas morrem todos os dias por falta de atendimento, com a covid-19 só fez aumentar”. O que falta, de acordo com ela, são políticas publicas para a área da saúde e educação e uma real fiscalização sobre os proventos que os governantes recebem para serem usado em prol da população.
Isolamento
Sobre a realização do isolamento/distanciamento social por parte dos profissionais de saúde, Luciana diz que é bem diversificada. “Percebo colegas que seguem com disciplina as regras de distanciamento, outros nem tanto e outros quase nada”. De acordo com ela, alguns profissionais confiam que já foram contaminados e estão imunes, quando não se trata somente disso, mas de regras que levam em conta a saúde da comunidade toda, não do indivíduo. “Nos primeiros meses, a aderência ao distanciamento era maior e mais disciplinada, com a diminuição de casos e com o passar do tempo (manter as regras é cansativo, apesar de ter se tornado mais corriqueiro) percebo algum grau de relaxamento mesmo entre profissionais”, afirma.
João diz que inicialmente, havia uma angústia. Um medo e uma vontade de ficar em casa junto de todo mundo. Isso foi mudando aos poucos, principalmente porque praticamente todos que trabalham na linha de frente tiveram a doença, dando uma falsa sensação de segurança, até que há poucos meses foi descrita a reinfecção. “Hoje, vejo profissionais ainda cuidadosos, mas vejo também profissionais que estão viajando, fazendo aglomerações, indo a festas clandestinas. Acompanho isso diariamente pelas redes sociais”. Para ele, essas ações dão um misto de aflição e medo de ver essa postura, mas ele afirma que deixou de fazer campanha nas redes justamente porque há algumas semanas passou a frequentar restaurantes, visitar parentes, mas sempre evitando grandes aglomerações.
Atendimento ao pacientes com covid-19
Sobre os atendimentos para os pacientes com suspeitas de covid-19, Luciana diz que os procedimentos dependem da gravidade dos sintomas. De acordo com ela, pessoas que procuram as unidades de saúde com sintomas leves e que não pertencem aos grupos sabidamente de risco são orientadas a se manterem em isolamento, hidratando-se, alimentando-se e repousando em domicílio. Podem ser feitos os testes confirmatórios: swab nasal ou teste rápido, de acordo com a quantidade de dias de sintomas. “Orienta-se manter vigilância sobre os sinais vitais: temperatura, frequência cardíaca e respiratória, saturação de oxigênio e observação ao surgimento de sintomas como tosse persistente, falta de ar, dor no peito, fraqueza intensa ou piora dos sintomas após cinco dias de doença”, explica.
De acordo com ela, essa vigilância pode ser feita pelo próprio paciente e familiares, por profissionais de saúde em casa, ou remotamente por teleatendimento. “Essas pessoas devem ser orientadas a procurar novamente atendimento médico na unidade de saúde se houver a presença de qualquer dessas alterações para reavaliação presencial e realização de exames laboratoriais ou de imagem e tratamento em unidade hospitalar”. Luciana explica que, se necessário, faz-se suplementação de oxigênio externa ou invasiva através de ventilação mecânica, suporte clínico geral e outras medicações específicas para os diferentes distúrbios orgânicos com os quais essas pessoas possam evoluir no decorrer da doença. “É importante também as orientações quanto à necessidade de observação para presença de sintomas e isolamento de pessoas que habitam no mesmo domicílio para que se mantenham em isolamento e evitem dar continuidade à cadeia de transmissão”, finaliza.
Vacina
Luciana diz que a expectativa sobre a vacina é que ela seja mais um aliado no controle e erradicação da pandemia, junto com as medidas de higiene e distanciamento, que deveriam estar sendo encorajadas e praticadas de maneira intensiva. “Creio que, no geral, os profissionais esperam que o país inicie o quanto antes a vacinação e que seja eficaz, como forma de garantir o controle das infecções e mortes pela covid-19. Somos um país treinado em vacinação rápida e em massa, com um programa vacinal mundialmente reconhecido, temos profissionais na ponta do sistema de saúde habituados a campanhas de vacinação anualmente, temos vacinas promissoras já sendo disponibilizadas, só falta os chefes políticos iniciarem e intensificarem os esforços para mobilização de recursos e planejamento da vacinação”. Para ela, a vacinação é realmente uma esperança para controle da pandemia.
Edição: Monyse Ravena