A comunidade tradicional da Boca da Barra da Sabiaguaba, que habita na poligonal da Unidade de Conservação Estadual do Parque do Cocó, em Fortaleza, demonstrou repúdio, por via de nota pública divulgada em redes sociais, ao Ecomuseu Natural do Mangue, que em 21 de dezembro de 2020 foi instituído como patrimônio histórico e cultural de Fortaleza. A comunidade alega que o patrimônio não tem nenhuma relação com os povos tradicionais originários da comunidade da Boca da Barra, negligenciando a comunicação com a comunidade para instalação de projetos e ações comunitárias.
Ausência de relações
“É bom que fique claro que não existe nenhum trabalho do ‘Museu do Mangue’ e de seus responsáveis com a comunidade. A comunidade não é beneficiada ou considerada em projetos do Museu. Não é incorporada aos seus trabalhos, sequer para informar sobre o ‘conhecimento popular’ e seus saberes tradicionais que ele (o museu) pretende divulgar.” afirma um trecho da nota pública.
Ainda de acordo com o texto da nota, a comunidade não tem acesso gratuito ao museu, e não é chamada a participar de nenhuma das suas ações e eventos. “Esse museu é ruim para nós aqui da comunidade da Boca da Barra, não nos traz nenhum benefício. Só há divulgação e ações que beneficiam apenas as instituições que administram (o Ecomuseu), a comunidade permanece a margem.” afirma Jaime Silva de Souza, pescador nativo da comunidade Boca da Barra.
Ao fim da nota, a comunidade diz que “as questões referentes a relação comunidade-parque devem ser tratadas diretamente com a Comunidade da Boca da Barra, que é aquela diretamente afetada pelo Parque”, comunicando ainda que as ações planejadas pelo Ecomuseu possam ser tradadas com a presença de lideranças da Boca da Barra que podem ser representadas no Conselho do Parque do Cocó. A nota pública conta com a assinatura de grande parte dos habitantes da Boca da Barra.
Comunidade Nativa Tradicional
O decreto 32.248/2017 criou oficialmente a Unidade de Conservação Estadual em Fortaleza, atendendo assim parte das demandas de preservação ambiental que a muito tempo eram direcionadas pelos povos tradicionais que habitam a poligonal do Parque do Cocó. Uma dessas demandas foi o reconhecimento oficial dessas comunidades, sendo a Boca da Barra uma delas.
“Somos uma comunidade tradicional que vive de fato da pesca e da mariscagem. Apesar do processo de avanço da cidade pelo progresso, somos um povo ainda isolado, com recursos naturais para a exploração responsável.” diz o pescador nativo Roniele da Silva de Sousa, membro do Conselho do Parque do Cocó. Sobre o Ecomuseu, Roniele espera que as demandas do seu povo sejam atendidas e que a comunidade possa de fato ser integrada nas ações de preservação, com respeito ao conhecimento popular dos povos nativos que habitam a poligonal do Parque do Cocó.
Museu do Mangue
A ONG do Ecomuseu Natural do Mangue atua em Fortaleza nos bairros Caça e Pesca e Sabiaguaba, pela foz do Rio Cocó, e possui quase 20 anos de experiência em ações de educação popular e preservação do ecossistema do manguezal. Apesar da sede da ONG ser em Fortaleza, o Ecomuseu possui articulações nacionais através da Rede Nacional de Manguezais (Renaman), que recentemente vem construindo uma campanha de conscientização a respeito do papel do ecossistema do mangue para a vida marinha no planeta, bem como a necessidade da sua preservação. “Nós realizamos um trabalho de muita importância não só para Fortaleza, mas para todos os locais em que o mangue está presente. Nosso principal objetivo é garantir que através da educação, os manguezais de todo o país possam ser preservados.” destaca Rusty de Sá Barreto, fundador e diretor da ONG do Ecomuseu.
Além das ações de preservação, a ONG mantém atividades de mutirão de limpeza das áreas do mangue e conscientização de turistas sobre a necessidade de manter a área livre de lixo e outros materiais poluentes, servindo também como ponto de estágio obrigatório para cursos universitários em diversas áreas além da preservação ambiental.
O Ecomuseu ainda desenvolve inscrições em editais públicos com o objetivo de desenvolver projetos de arrecadação de alimentos para as famílias que vivem na Sabiaguaba, e para o plantio assistido de Rizophora Mangue, tecnologia socioambiental que tem o objetivo de minimizar os impactos das mudanças climáticas globais nos manguezais.
Sobre a nota pública feita pela comunidade da Boca da Barra, o Ecomuseu encaminhou ao Brasil de Fato Ceará uma nota oficial em que afirma “que em nenhum momento fomos procurados ou nos colocamos como representante da comunidade frente ao Conselho Gestor do Parque Estadual do Cocó. O que temos no Conselho é uma cadeira enquanto Ecomuseu, nesse mesmo Conselho existe uma cadeira especifica dos representantes da comunidade, citamos: Coletivo Boca da Barra da Sabiaguaba e ANMAS (Associação dos Nativos, Moradores e Amigos da Sabiaguaba).”
A nota diz ainda que o Ecomuseu está à disposição da comunidade para a participação de forma gratuita das atividades desenvolvidas pela ONG. A íntegra das duas notas pode ser conferia abaixo.
Nota da Comunidade Boca da Barra da Sabiaguaba
Nota oficial do Ecomuseu Natural do Mangue
Ao
Jornal Brasil de Fato CE
Jornalista Sr. Rodolfo Santana
Conforme conversamos ao telefone segue nota explicativa do Ecomuseu Natural do Mangue sobre a “Nota pública – Comunidade Boca da barra da Sabiaguaba”.
A – A nota cita que “pessoas” são procuradas por “autoridades” e instituições para discorrer a respeito da “comunidade” e “área ocupada”, declaramos que em nenhum momento fomos procurados ou nos colocamos como representante da comunidade frente ao Conselho Gestor do Parque Estadual do Cocó. O que temos no Conselho é uma cadeira enquanto Ecomuseu, nesse mesmo Conselho existe uma cadeira especifica dos representantes da comunidade, citamos: Coletivo Boca da Barra da Sabiaguaba e ANMAS (Associação dos Nativos, Moradores e Amigos da Sabiaguaba) e;
B – Com relação a declaração de manifestação pública do referido grupo, declaramos que enquanto instituição respeitamos o direito de expressão pública de qualquer grupo da sociedade civil organizada;
C – No que concerne a falta de conhecimento de ações desenvolvidas pelo Ecomuseu Natural do Mangue, encaminhamos anexo ao e-mail documentos que demonstram a riqueza e importância das contribuições sociais e ambientais a nível local, municipal, estadual e nacional e que nos sentimos entristecidos ao perceber que uma parcela da comunidade que nos rodeia desconhece tais ações;
D – Declaramos ainda que o Ecomuseu está e sempre esteve, durante seus quase vinte anos de trabalho preservacionista e educativo, aberto para a comunidade supracitada e que mais uma vez nos colocamos ao dispor para que venham participar de forma gratuita das nossas atividades;
E – Em concordância com a missão da nossa instituição: sensibilizar, conscientizar e educar a “todos” para a preservação do ecossistema manguezal. O Museu recebe visitantes em geral, podendo ser: comunidade local, escolas públicas e privada, faculdades, empresas etc.;
Declaramos por fim que não usamos e nem pretendemos usar o nome do referido coletivo e nos colocamos a favor que as questões relacionadas ao Parque Estadual do Cocó, sejam pautadas e direcionadas aos representantes legais da comunidade perante o mesmo Conselho.
Fortaleza – Ce, 07 de janeiro de 2021
Atenciosamente,
Rusty de Castro Sá Barreto
Diretor do Ecomuseu Natural do Mangue
Edição: Monyse Ravena