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Coluna

Mitos e verdades sobre o “sucesso” da educação cearense

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Mais uma vez, a educação cearense se destaca ao atingir e superar metas estabelecidas pelo MEC e pela própria SEDUC), nos ensinos fundamental e médio. - Foto: Tiago Stille
Avaliações em larga escala e parcerias com institutos empresariais, ditam as prioridades da SEDUC.

Em setembro deste ano, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) divulgou os dados mais recentes do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Mais uma vez, a educação cearense se destaca ao atingir e superar metas estabelecidas pelo Ministério da Educação (MEC) e pela própria Secretaria de Educação do Estado do Ceará (SEDUC), nos ensinos fundamental e médio, liderando o ranking nacional do Ideb de 2019.

As informações publicizadas tem como base testes e provas realizadas no âmbito do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), formado por três avaliações: a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), a Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB) e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC), mais conhecida como Prova Brasil.

No SAEB são mensuradas as habilidades em língua portuguesa e matemática dos estudantes do 5º ao 9º ano. Nessa edição mais recente, também foram avaliadas as habilidades em ciências da natureza e ciências humanas no 9º ano do ensino fundamental e as habilidades em língua portuguesa e matemática no 2º ano do ensino fundamental. Também ganhou destaque o fato de nove das 10 melhores escolas públicas de ensino fundamental do Brasil serem do Ceará, tendo como base notas dos alunos do 1º ao 5º ano.


Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2019 / Imagem: Gov-CE


Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2019 / Imagem: Gov-CE


Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2019 / Imagem: Gov-CE

Obviamente que a validade desses números e gráficos, propalados aos quatro ventos pelas autoridades governamentais, não podem ser questionados em si, e expressam, por determinado ângulo, uma política exitosa para a educação estadual. Ao mesmo tempo, é importante que o conteúdo e o sentido desse mesmo êxito sejam problematizados, bem como a natureza, as intenções e os objetivos dessas avaliações.

A realidade da educação cearense, e de qualquer outro estado ou cidade, não pode ser vista desconectada dos debates e disputas, nacionais e globais, que giram em torno dos processos educacionais. Está em curso no mundo um sofisticado movimento de reformas empresariais da educação, denominado por alguns estudiosos de Global Educational Reform Movement. Segundo o professor Luiz Carlos de Freitas, esse fenômeno tem como principais características e consequências:

A padronização da educação; ênfase no ensino de conhecimentos e habilidades básicas dos alunos em leitura, matemática e ciências naturais, tomados como principais alvos e índices das reformas educacionais; ensino voltado para resultados predeterminados, ou seja, para a busca de formas seguras de baixo risco para atingir as metas de aprendizagem, o que afeta a criatividade das crianças e a autonomia dos professores; transferência de inovação do mundo empresarial para o mundo educacional como principal fonte de mudança; políticas de responsabilização baseadas em testes que envolvem processos de credenciamento, promoção, inspeção e, ainda, recompensa e punição de escolas e professores; um maior controle da escola com uma ideologia baseada no livre mercado que expandiu a escolha da escola pelos pais e a terceirização.

Com relação ao ensino médio estadual, várias ações desenvolvidas pela SEDUC, nos últimos 10 anos, são coerentes com tais premissas. Destaco, por exemplo, as parcerias e convênios celebrados entre a Secretaria de Educação com os institutos Unibanco, Ayrton Senna, Penísola e Aliança a partir da execução dos projetos Jovem de Futuro, Professor Diretor de Turma, Vivescer e do Núcleo de Trabalho, Pesquisas e Práticas Sociais, respectivamente.

Atualmente estão em funcionamento 122 escolas estaduais de educação profissional, atingindo mais de 50 mil alunos em 90 municípios. A rede de Escolas Estaduais de Educação Profissional (EEEP’s), adota um modelo de gestão diferenciado das demais escolas regulares de ensino médio, a partir da incorporação da denominada Tecnologia Empresarial Socioeducacional (TESE), fundamentada nas diretrizes pedagógicas e operacionais da Tecnologia Empresarial Odebrecht (TEO).

Importante destacar que essa investida empresarial sobre as políticas educacionais ocorre em todo o país, tendo como principal articulador o Movimento Todos Pela Educação (TPE), construído em 2006 por corporações de vários setores da economia, desde bancos, construção civil, mineração, agronegócio, meios de comunicação e grupos editoriais, consolidando-se como principal formulador e porta-voz dos interesses burgueses na disputa dos rumos da educação brasileira.

No Ceará, portanto, assistimos a um processo, mesmo que contraditório, de aprofundamento de uma política educacional, reconhecida como modelo a ser seguido por outros estados da federação, inclusive pelo TPE, alicerçada na combinação entre treinamento para testes de avaliação em larga escala e a ingerência de importantes projetos e programas, como combate a evasão escolar, formação para cidadania e capacitação para o trabalho, por institutos privados vinculados a poderosas corporações financeiras e do terceiro setor. Destaca-se também a assimilação, as vezes tácita outras vezes explícita, das teorias pedagógicas liberais tecnicista e das competências, atualizadas sob os pressupostos e as ideologias do empreendedorismo e das competências socioemocionais.

O desafio posto aos sindicatos e às associações representativas dos trabalhadores da educação, entidades estudantis, pesquisadores, familiares dos alunos e a comunidade escolar em geral, na minha avaliação, é que se supere a visão limitada e a euforia da exaltação das metas atingidas, a partir da submissão diante de testes padronizados e meritocráticos, que não medem e captam o essencial para se forjar um projeto de educação qualitativamente superior ao que temos hoje.

Para isso, é necessária a elaboração de um plano de curto, médio e longo prazo para a construção de um projeto educacional que seja capaz de socializar os conhecimentos científicos e a produção cultural da humanidade para as crianças e jovens; que contribua permanentemente com o desenvolvimento da autonomia e criticidade dos sujeitos; que valorize, material e simbolicamente, o trabalho dos professores; que democratize os espaços de gestão e decisão das escolas e que torne as instituições de ensino ambientes atrativos e prazerosos para se disputar cada criança e jovem contra a barbárie cotidiana e a falta de esperança que assola o presente e o futuro das novas gerações.

Muitas experiências que apontam para esse projeto já estão em curso em diversas escolas municipais e estaduais espalhadas pelo território cearense, tencionando com as carências que permeiam o trabalho pedagógico e resistindo a essa tutela empresarial chancelada pela SEDUC, muitas vezes, inclusive, ressignificando os próprios projetos que mencionamos, subvertendo a lógica desses institutos privados, a partir da criatividade e protagonismo das comunidades escolares.

Edição: Monyse Ravena