Ceará

Coluna

Alternativas econômicas e de geração de renda no Ceará

Imagem de perfil do Colunistaesd
Feira Cultural da Reforma Agrária, acontece mensalmente no Centro de Formação, Capacitação e Pesquisa Frei Humberto, em Fortaleza. - Foto: Aline Oliveira
Feiras, redes e coletivos enfrentam o desemprego e a precarização do trabalho

No terceiro e último artigo da série sobre combate às desigualdades, apresento algumas experiências de geração de renda no Ceará que encaram de frente as contradições presentes na economia brasileira, como o desemprego crônico, a baixa remuneração da força de trabalho e a informalidade. Vale destacar que tais problemas, insuperáveis no modo de produção capitalista, não são exclusividade do Brasil, mas aqui assumem contornos particulares devido ao caráter dependente e extremamente desigual da dinâmica econômica do país.

O Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU, divulgado no final de 2019, revela que no Brasil 1% dos mais ricos concentra 28,3% da renda total do país. Ficamos atrás apenas do Qatar no ranking mundial de concentração de riqueza. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que temos hoje 13,3 milhões de desempregados, situação recorde que já era grave mesmo antes da pandemia. Ainda de acordo com o IBGE, 39,5 milhões de trabalhadores estão na informalidade, cerca de 43% da população ocupada no país.

O cenário cearense segue essa tendência nacional. Aqui, 53,8% da população ocupada são de trabalhadores informais, a quinta maior taxa entre os estados brasileiros. Com relação aos índices de desemprego, mesmo com os menores do Nordeste, temos 12,1% da população nessa situação, cerca de 469 mil cearenses (IGBE, 2020). Segundo estudo realizado este ano pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE), a renda média dos trabalhadores classificados nos 50% menores rendimentos é de R$ 566,00 no Ceará, enquanto o 1% com maior rendimento, ganha, em média, R$ 24.192,00.  Ou seja, 43 vezes a renda dos 50% que recebem menos no estado.

Essa situação tem se agravado não apenas pelos efeitos da pandemia, mas, sobretudo, devido ações governamentais e reformas institucionais impulsionadas pelo poder executivo federal e pelo congresso nacional, a exemplo da Reforma Trabalhista, aprovada em 2017; da Reforma da Previdência, aprovada em 2019 e a proposta de Reforma Administrativa, em tramitação. Todas penalizam os trabalhadores com menores salários (do setores privado e público) e mantêm privilégios dos mais ricos e de elites das carreiras de Estado – sobretudo, da cúpula do judiciário e das forças armadas – acentuando ainda mais as desigualdades e a concentração de renda.

É diante dessa realidade que diversas organizações, coletivos e movimentos sociais constroem alternativas econômicas e de geração de renda.  Alguns pesquisadores e ativistas na área da Economia Criativa, como a professora e diretora do Observatório de Fortaleza, Cláudia Leitão, destaca que: “[a economia criativa] é formada de pequenos empresários, de redes, de coletivos, que é colaborativa e tem grandes afinidades com a economia solidária. É uma economia da juventude brasileira que vai se apoiando e trocando conhecimentos, ligada a diferentes projetos. Acredito muito nos sistemas coletivos e redes dos setores da economia criativa. Porque tem grande tendência à desconcentração de renda, com foco na visão dos micros e pequenos empreendedores. Tudo isso faz parte de um intercâmbio de objetivos comuns" (Jornal O Povo, 07/01/2019).

Algumas dessas experiências:

A Rede Cearense de Turismo Comunitário (TUCUM), fundada em 2008, articula e promove o turismo local e sustentável em diversas comunidades rurais, litorâneas e indígenas no estado: Assentamento Coqueirinho (Fortim), Curral Velho (Acaraú), Caetanos de Cima (Amontada), Assentamento Maceió (Itapipoca), Jenipapo-Kanindé e Batoque (Aquiraz), Prainha do Canto Verde (Beberibe), Tremembé (Icapuí), Tatajuba (Camocim), Vila da Volta (Aracati) e Ponta Grossa (Icapuí). 

O Coletivo PrograM@nas atua junto à mulheres das periferias de Fortaleza no campo da produção e desenvolvimento de tecnologias digitais, como sites e aplicativos. Sob a perspectiva do fortalecimento da Economia Periférica Feminina, promovem eventos, oficinas e cursos direcionados ao protagonismo e organização de jovens mulheres há mais de quatro anos.

As Feiras Agroecológicas organizadas pelo Centro de Formação, Capacitação e Pesquisa Frei Humberto (MST), pelo Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador (CETRA) e pela Associação para o Desenvolvimento da Agropecuária Orgânica (ADAO), comercializam produtos orgânicos de pequenos produtores rurais de todo o estado na capital cearense. Também são espaços de debate acerca de novos modelos de produção agrícola e de contraponto ao agronegócio.

A Rede Kilofé de Economia de Negras e Negros do Ceará promove a articulação e intercâmbio de empreendedores negros. A partir da participação em feiras e eventos culturais, trazem para o centro da luta antirracista a necessidade do fortalecimento da Economia da População Negra.

Não tenho a ingenuidade de que essas redes, coletivos e feiras, por si só, possam reverter o processo brutal de desemprego estrutural, precarização, terceirização e, mais recentemente, de uberização das relações de trabalho. Por outro lado, tenho convicção de que qualquer política governamental de geração de emprego e renda que vire as costas para experiências exitosas como essas, serão incompletas e fracassadas.

Mesmo com pouco ou nenhum apoio do Estado, jovens, mulheres, negros, trabalhadores do campo, ousam construir ações que garantem a sobrevivência e dignidade de sujeitos que insistem em escapar das estatísticas oficiais. São, portanto, frutos e sementes de uma utopia possível. Utopia, anunciada por Eduardo Galeano, enquanto um horizonte que nos interpela a seguir caminhando, mesmo com as incertezas e obstáculos na estrada.

Edição: Francisco Barbosa