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Indígenas

Livro com histórias de lutas do povo indígena Tremembé é lançado no Ceará

O livro Os Tremembé no Ceará: Tradição e Resistência está sendo vendido na ADUFC, na Av. da Universidade, 2346 – Benfica

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
O livro traz relatos dos anos de experiência vividos por Maria Amélia com o povo Tremembé. - Foto: Marcos Vieira

O livro “Os Tremembé no Ceará: Tradição e Resistência” é uma celebração dos 90 anos da escritora Maria Amélia Leite, indigenista e defensora dos direitos humanos que dedicou parte de sua vida à defesa dos povos indígenas. O livro traz relatos dos anos de experiência vividos por Maria Amélia com essa etnia. Fernando Tremembé, da aldeia Batedeira II, aldeamento povo Tremembé de Almofala, no município de Itarema é representante do Conselho de Saúde do povo Tremembé, e é um dos organizadores do livro. Para ele, a obra apresenta para a sociedade a história da resistência de seu povo. 

Fernando lembra um pouco de como foi o início da pesquisa que resultou na publicação do livro.  “A autora Maria Amélia Leite, que é uma missionária, ela chegou no povo Tremembé fazendo uma pesquisa sobre a história dos antepassados, dos reisados, do Torém... de toda a cultura. E aí ela começou a gostar e apreciar toda a cultura que na época era desenvolvida. Então ela começou a vir, começou a gostar e se animou e começou a trabalhar com o povo Tremembé no município de Itarema, inclusive, Tremembé de Almofala. Nas andanças dela, e toda vez que ela vinha, ela fazia um relatório. Ela ia escrevendo tudo o que povo falava”. Ele explica que na época ele tinha por volta de 12 a 13 anos, mas lembra que ela passava sempre com um caderno, escrevendo tudo o que o povo falava.

A filósofa e pesquisadora do patrimônio cultural cearense, Olga Paiva, também é uma das organizadoras do livro. Para ela, a obra tem uma grande importância social, porque ela traz a verdade sobre a sociedade cearense. “O povo cearense nega a sua origem indígena, e esse livro mostra justamente a verdade. O trabalho de Maria Amélia dá visibilidade às causas indígenas e mostra que no nosso estado tem índios sim. Na obra poderemos descobrir coisas belíssimas”, afirma. 


O livro custa R$ 30 + R$ 20, esse valor é uma doação opcional que será revertida na íntegra para a autora. / Foto: ADUFC

Luta

De acordo com Fernando, Maria Amélia ajudou bastante a população indígena a reconhecer os seus direitos. Ele relata que seu povo tem hoje a terra reconhecida oficialmente pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e pela antropologia, e muitas outras conquistas além do reconhecimento étnico. Ele lista algumas dessas conquistas como, por exemplo, atendimento de saúde. “Hoje nós temos equipes multidisciplinares dentro das nossas aldeias, não só no povo Tremembé, mas em todo o estado do Ceará. Temos agentes indígenas de saúde; temos agentes de saneamento indígena, que responde e trabalha pelo atendimento e o bem-estar das nossas águas potáveis. Conseguimos várias escolas, hoje nosso pessoal, nossos alunos estudam dentro das próprias aldeias, escolas construídas pelo Governo do Estado. Os professores são todos indígenas. Isso não só nós, mas todo o estado do Ceará”.

Fernando afirma que foi uma luta de muita resistência, de muita força, de muita garra, de muita coragem. Segundo ele, logo no início, quando a história de sua pesquisa começou a ser divulgada, Maria Amélia teve que parar de andar na aldeia por ter sofrido ameaça de morte. “Ela teve que deixar de andar aqui na aldeia e muitas das nossas lideranças, no caso de pajé, cacique, outras lideranças foram ameaçadas de morte pelos poceiros, pelos invasores, mas graças a Deus a gente nunca foi atacado”, lembra.

E hoje, de acordo com ele, seu povo ainda permanece na luta, reivindicando a demarcação física de suas terras. Fernando explica que a terra é reconhecida oficialmente, mas ainda não é demarcada, homologada, não é entregue nas mãos do povo indígena. “Ela é reconhecida, mas ainda permanece nas mãos dos posseiros, dos invasores. Então esse livro traz toda essa história de luta, de garra e de resistência, pra nós, não só pra nós Tremembé, mas para o movimento indígena do Ceará”.


Fernando Tremembé afirma que Maria Amélia foi uma pessoa primordial para o movimento indígena em todo o estado do Ceará. / Foto: OAB Ceará

Maria Amélia

 João Alfredo, advogado, professor e atualmente presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/CE, também é um dos organizadores do livro. Ele diz que Maria Amélia, do alto dos seus 90 anos, tem uma história de vida fantástica. Ela foi ferroviária. Na sua juventude, de acordo com ele, trabalhou com o método Paulo Freire nas comunidades de base nas periferias da cidade de Fortaleza. Foi perseguida pela ditadura militar, tanto é que teve que se aposentar.

Segundo João Alfredo, depois que ela conheceu a vida e o trabalho dos índios do Xocó, em Sergipe e na Bahia, ela abraçou a causa indigenista. Para ela, ela talvez seja a indigenista mais antiga viva ainda no país. “A gente sabe muito bem que a história do Ceará é marcada por um episódio em que o então governador, lá no século XIX, da província, informou a assembleia provincial que não tinha mais indígena, isso tudo tá muito ligado àquela visão do Marquês de Pombal que determinou o fim das línguas indígenas”, e continua. “Então ela é uma referência fundamental pra se conhecer na história a vida, a luta, a trajetória, a cultura, as manifestações culturais, espirituais dos povos indígenas do Ceará, em especial, da etnia Tremembé”.

Fernando Tremembé afirma que Maria Amélia foi uma pessoa primordial para o movimento Tremembé, e para o movimento indígena em todo o estado do Ceará. “Uma parte do meu conhecimento, do meu aprendizado foi através da Maria Amélia. Então eu agradeço muito a ela e desejo muita saúde pra ela”.

A publicação é uma realização da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult) e de pesquisadores indigenistas, em parceria com o Conselho Indígena Tremembé de Almofala, a Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará, a Articulação de Mulheres Indígenas do Ceará, a Organização dos Professores Indígenas do Ceará, a Comissão de Juventude Indígena do Ceará e a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo.  O livro está sendo vendido do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará (ADUFC-Sindicato), localizado na Av. da Universidade, 2346, no Bairro Benfica, de segunda a sexta, das 9h às 12h e das 14h às 17h

Edição: Monyse Ravena