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Diversidade

Artigo | Minoria é uma ova!

O uso do termo minoria é inadequado e tem uma intenção pedagógica

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2019), a população brasileira possui 209,2 milhões de habitantes. Destes, 51,8% são mulheres e 56,10% são negros. - Foto: GOV-BA

Há muito tempo me incomoda o uso (e abuso) frequente de um termo. Lançado por analistas políticos, acadêmicos, jornalistas ou mesmo ativistas. É geralmente utilizado em reflexões e posições acerca de temas relacionados às mulheres, negros, povos indígenas e população LGBTQI. Essas parcelas, grupos ou setores da sociedade são rotulados quase sempre, enquanto “minorias”.

Segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2019), a população brasileira possui 209,2 milhões de habitantes. Destes, 51,8% são mulheres e 56,10% são negros.  A população LGBTQI brasileira é estimada em 20 milhões, segundo a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), percentual subestimado, inclusive, já que muitas pessoas optam por não declararem sua identidade de gênero ou orientação sexual.

Mais adequado e coerente com a realidade é trabalharmos com a categoria de sub-representação para pensarmos e agirmos diante das desigualdades raciais e de gênero. Sub-representação, sobretudo, nas instituições que formulam, administram e executam políticas, leis e ações que regulam e organizam o Estado e a vida social. Os dados da composição do Congresso Nacional são reveladores:


Dados da composição do Congresso Nacional. / Fonte: TSE/Metrópoles (2019) / Fonte: TSE/Metrópoles (2019)


Dados da composição do Congresso Nacional. / Fonte: TSE/Metrópoles (2019) / Fonte: TSE/Metrópoles (2019)


Dados da composição do Congresso Nacional. / Fonte: TSE/Metrópoles (2019) / Fonte: TSE/Metrópoles (2019)

Dos atuais prefeitos brasileiros, 70,2% são brancos e outros 29% são negros, incluídos os que se autodeclararam de cor preta (1,6%) e parda (27,4%). Destes, apenas 11,9% são mulheres. Segundo levantamento feito pela Aliança Nacional LGBTQI, existem cerca de 160 políticos LGBTs eleitos em todo o país, sendo três assumidamente gays no congresso (dois deputados federais e um senador). Mesmo baixo, é um número considerado histórico pela organização.

Olhando para o Ceará, dos 22 deputados federais eleitos em 2018, apenas duas são mulheres e somente um é negro. Das 46 cadeiras da Assembleia Legislativa, apenas seis são ocupadas por mulheres e somente uma por um deputado autodeclarado negro.

Ainda temos um conjunto de outros espaços de poder com pouquíssima inserção das ditas “minorias”. Nas universidades brasileiras (públicas e privadas), segundo dados no INEP de 2017, existem aproximadamente 400 mil professores e professoras, mas apenas 62.239 destes (16% do total), se autodeclararam pretos ou pardos. O Censo do Poder Judiciário de 2018, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), revelou que apenas 18% dos magistrados do país se declaram negros. E apenas 1,6% disseram ser pretos. Poderíamos elencar inúmeros outros exemplos e recortes que demonstram a sub-representação de gênero e de raça em instituições estatais e privadas no Brasil. Por isso a urgência da adoção e ampliação das políticas de cotas em todos os espaços necessários para a democratização das relações raciais e de gênero.  

No livro Racismo Recreativo (Coleção Feminismos Plurais), escrito por Adilson Moreira, fui apresentado a uma categoria que peço permissão para compartilhar com os leitores e incluir alguns elementos que corroboram com minha posição. Trata-se da “Pedagogia da subordinação racial”, formulada para a análise de uma das dimensões do racismo estrutural, mas que considero ser útil também para a compreensão do machismo e LGBTfobia no Brasil.

Sendo assim, avalio que uma sofisticada “Pedagogia da subordinação racial e de gênero” alimenta as narrativas que procuram legitimar a ideia de que um contingente majoritário do povo brasileiro deve comportar-se de forma subalterna. No que consiste tal pedagogia? (Entre parênteses são acréscimos meus).

1. Incentiva uma integração subordinada entre negros e brancos (também entre homens e mulheres; heterossexualidade e sexualidades diferentes);

2. Referenda posições hierárquicas assimétricas e naturalizadas, impondo que pessoas negras (mulheres e LGBTs) não podem almejar a mesma respeitabilidade destinada a pessoas brancas (homens e heterossexuais);

3. Segue a lógica de cordialidade versus hostilidade, que caracteriza as formas de sociabilidade na nossa sociedade: negros (mulheres e LGBTs) podem ter acesso a algum nível de inclusão, desde que não questionem a ordem social baseada no privilégio branco (machista e heteronormativo);

4. Tem confiança que as hostilidades raciais (e de gênero) estão corretas e que não terão consequências legais; E que as acusações de racismo (machismo e homofobia) são vistas por pessoas brancas (homens e heterossexuais) como uma violação da prerrogativa que elas acreditam ter de poder humilhar pessoas negras (mulheres e LGBTs).
    
As verdadeiras minorias ocupam posições estratégicas de direção e coerção nas esferas do Estado e da sociedade civil, como a quadrilha que controla o poder executivo federal hoje, por exemplo, e tentam moldar à sua imagem e semelhança o conjunto da sociedade. Porém, as classes oprimidas, os grupos subalternizados e sub-representados, em sua diversidade, mais cedo ou mais tarde, hão de transformar os ecos de dor em cantos de alegria. Das maiorias!

*Sociólogo, professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e militante da Consulta Popular

Edição: Francisco Barbosa