As eleições, que irão ser realizadas esse ano em meio a uma pandemia, expressa o esforço de setores democráticos de seguir com as regras republicanas, como forma de enfrentamento ao neofascismo. Porém, de antemão, já adiantamos que isso é assunto para outro momento, a discussão desse texto é de dialogar sobre as eleições e o movimento popular urbano.
Na Grécia Antiga, foi inventada uma palavra para designar sons incômodos, desarmônicos, a cacofonia. Essa palavra é bem conhecida de nosso povo brasileiro, que é a capacidade de escutar e falar palavras que são parecidas, uma espécie de “Velha da Praça é Nossa”, mas que brinca com a semelhança das palavras de forma consciente, e não por problemas auditivos.
A mesma coisa vem acontecendo com boa parte de setores populares, da esquerda brasileira e o que a realidade nos diz, quando a discussão está centrada no cenário político. Ademais, tecer uma crítica assim, não é evidentemente fácil, principalmente quando uma realidade tão ameaçadora e conturbada impera sobre uma geração de lutadoras e lutadores do povo, em que não viram uma agenda ultra neoliberal, combinada com a ameaça de um fechamento do regime político serem os demônios aos quais precisamos exorcizar. É evidentemente também, nesse sentido, que as eleições municipais irão conferir uma importância enorme para as forças populares, para ampliar o debate do reposicionamento e reorientação da necessidade de um programa político de direitos e uma nova estratégia no seio da esquerda brasileira, mas mesmo assim, a cacofonia insiste em nos perseguir.
Na trajetória histórica da esquerda brasileira, três ensinamentos importantes foram extraídos sobre a responsabilidade e necessidade de alinhar a luta político-eleitoral com um debate programático e estratégico, que são: a unidade política e de ação se configura primeiro na construção comum de um programa político e depois na capacidade de força social de uma organização política ou liderança de massas que tenha chances reais para a disputa; a luta de massas e ideológica é vital para o fôlego e disputa da luta político-eleitoral, como a tática da pinça do PT na década de 1980 e a formação de militantes e quadros no processo da disputa político-eleitoral é essencial para o não rebaixamento de um projeto nacional.
Quais ensinamentos podemos extrair disso?
O primeiro deles, é que diante da fascistização e conservadorismo da sociedade e da política no Brasil, combinado oportunamente, com o neoliberalismo e uma defensiva estratégica das forças populares, a discussão de uma Frente Única, ou será de esquerda, ou não será. As constantes investidas de uma parte das forças populares em emplacar uma Frente Única com diversas frações da burguesia e traduzir isso, numa tática eleitoral nas eleições municipais da majoritária e da proporcional, poderá nos custar caro, no equilíbrio de forças sociais no Brasil. A unidade de ação (e pelo visto, somente de ação) de nós e os setores democrata liberal contra o neofascismo ocorrerá independentemente da composição de chapas municipais, ou não.
A batalha das ideias na sociedade, a luta de massas e a formação de militantes e quadros no processo eleitoral podem nos dá ânimo e capacidade de acúmulo de força social no processo da luta político-eleitoral. Principalmente quando analisamos de forma pragmática o que é a disputa a vereança e a prefeitura.
As disputas de prefeituras, sempre confere uma disputa de massas: tempo de rádio e tv; um bom corpo de comunicadores de redes sociais (principalmente na pandemia ) para a disputa massiva nas redes; e uma engenharia social de forças políticas que dominam territórios e imprimem uma vitória política. Já a de vereança, o que pode se tornar uma centralidade para os movimentos populares urbanos, configura em uma disputa territorial e de voto a voto, colégio eleitoral a colégio eleitoral, zona por zona, tudo isso em um espectro de mais subdivisões das demandas, pautas e organizações urbanas. O que forja a aproximação de lideranças populares soltas, órfãs, nos territórios e suas diversas formas de se organizar.
Adequar essa realidade e forjar uma fileira de novas e novos lutadores do povo, com a preocupação de conhecer e dominar os territórios nos quais a disputa do voto a voto, com a capacidade de construir “linha de massas”, ou seja, sintetizar as aspirações do povo e enfrentá-los de forma concreta nesse período, somados a incorporação dessas lideranças à uma organização de massas e na inserção da luta eleitoral com candidatos e candidatas próximos ao perfil do projeto popular, poderá nos tirar dessa situação de cacofonia.
*Militante do Movimento dos Trabalhadores por Direitos (MTD)
Edição: Monyse Ravena