Em resistência à colonização que durante os séculos de genocídio tentou dizimar a cultura indígena do território brasileiro, o povo Kariri-Xocó de Alagoas mantem sua tradição ancestral através da sua linguagem, que é ensinada e perpetuada entre as comunidades Kariris. Se utilizando de diversos meios de comunicação, pesquisadores e professores indígenas promovem a reconexão linguística através da prática de ensino e vivências.
Na beira do São Francisco
A comunidade Kariri-Xocó pertence ao grupo dialetal Dzubukuá e representa a fusão de uma variedade de agrupamentos tribais segregados pela colonização e catequese jesuíta. Atualmente, a comunidade está aldeada no município de Porto Real do Colégio, no interior de Alagoas. As margens do Rio São Francisco, a comunidade ainda preserva tradições rituais como a dança do Toré e produção de artesanatos. O ensino da linguagem é feito através de aulas ministradas na escola Subatekié Nunú criada dentro do território Kariri-Xocó. Como recurso pedagógico extra-aula, a escola conta ainda com grupos de whatsapp que praticam a associação de termos com emojis, entre outras estratégias. Formadores da comunidade também mantém sites e um canal no youtube voltados para o ensino da linguagem.
Palavras Vivas
A linguagem Kariri-Xocó é dinâmica, não se engessa no tempo, nem se perdeu pelo opressão colonial imposta aos povos indígenas no território brasileiro desde 1500. José Nunes de Oliveira é Nhenety, guardião das tradições, como é conhecido pela sua comunidade. Ele diz que na língua indígena “cada palavra tem vida e falando podemos manter nossa cultura ancestral através do tempo” e considera que a reconexão cultural através da ancestralidade da linguagem pode ampliar a comunicação do povo Kariri com a natureza e o mundo.
Contador de histórias formado nas vivências do seu povo, Nhenety auxilia na educação escolar da sua comunidade na língua Kariri-Xocó a mais de 30 anos. Em 1984, o guardião recebeu através de histórias dos seus antepassados contadas pelo Sr. Manuel Iraminon, índio da etnia Xocó, um vocabulário de 128 palavras originais da linguagem ancestral. Iraminon coletou e compartilhou o vocabulário com o Pajé Francisco Queiroz e a bisavó de Nhenety, Maria Tomazia.
“Nossa língua nos dá força”
Além de manter a tradição cultural da comunidade Kariri-Xocó, a prática viva da linguagem reconecta o povo com a sua espiritualidade. Idiane Crudzá, educadora da escola Subatekié Nunú. Para ela, o aprendizado da linguagem está diretamente ligado as relações tradicionais que o povo indígena mantém com a natureza. “A língua para nós é muito importante porque dependemos dela para se comunicarmos com o grande Espírito, com as forças da natureza. Com ela também nos conectamos com os nossos ancestrais” conta Idiane. Ela também fala a característica tradicional do ensino da linguagem indígena não pode ser apreendido em totalidade fora da tradição Kariri-Xocó originária. “Se a gente for querer aprender a língua através do estudo do branco, nós nunca vamos aprender, porque a nossa língua é interna. Até o som de cada palavra nós tiramos do nosso ritual que só nós frequentamos” completa.
Edição: Monyse Ravena