O Brasil de Fato entrevistou Antonia Ivoneide Silva, a Nenen. Ela faz parte coordenação nacional do setor de produção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil e ajudou na formulação do que veio a ser o Projeto de Lei 735, aprovado pela Câmara Federal e pelo Senado e que agora segue para a sanção presidencial. A pandemia trouxe, principalmente, a dificuldade na comercialização dos produtos em feiras ou em linha direta com os consumidores e isso fez com que a renda das famílias caísse. Confira a entrevista na íntegra.
Brasil de Fato: Houve um impacto geral na categoria?
Antonia Nenen: Os agricultores familiares já vinham sofrendo um processo de perdas do acesso às políticas públicas, como créditos, processos de comercialização como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), desde o golpe, e com o governo Bolsonaro, todas essas políticas ou foram muito reduzidas ou foram extintas. A pandemia criou um processo de agravar a vida do agricultor, uma pesquisa feita pela Universidade de Brasília, através de um centro de estudos que acompanha a agricultura familiar, mostrou que houve uma redução drástica na renda dos agricultores familiares, chegando a mais de 50% e, no Ceará, em torno de 60% tiveram sua renda diminuída em média de 35%, mas tem lugar que a perda é muito maior. Está muito impactada, no geral, a categoria dos agricultores familiares. No Brasil, um terço da categoria acessou o auxílio emergencial, portanto, há um processo que impactou muito na vida, a fome está voltando no campo, há muita preocupação.
BdF: Qual a importância do PL 735/20?
Nenen: O Projeto de Lei (PL) 735/2020, agora chamado Lei Assis Carvalho, é muito importante e foi fruto de uma articulação de várias organizações do campo juntamente aos partidos e parlamentares, principalmente de oposição, como o Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Ela poderá instituir o auxílio para quem não recebeu e também permitir que quem recebeu o auxílio emergencial não perca sua condição de segurado especial da agricultura familiar, que era um risco que estava correndo quem acessou o auxílio emergencial.
A importância do PL 735 é assegurar alguma reparação à renda, incentivo à produção, mas, acima de tudo, é para fazer com que chegue comida na mesa das famílias que estão na cidade, tanto agora, quanto no pós na pandemia, já que estão subindo muito o preço dos alimentos. Ao retornar das feiras, ou das cestas, os agricultores precisam estar com volume maior de produção e mais organizados, portanto, o PL poderá apoiar que o Brasil não passe fome.
BdF: Quais os principais desafios no andamento da proposta?
Nenen: Os principais desafios é que ela seja sancionada, mas acima de tudo, que ela possa ser acessada pelos agricultores e agricultoras, que ela possa ser, de fato, garantida na ponta, que chega aqueles que estão sofrendo o grave impacto da pandemia, que querem produzir e trabalhar, que geram trabalho no campo. O desafio é bem grande, principalmente que o Presidente não vete, que faça com que o recurso chegue, que os trabalhadores possam acessar esse recurso que foi conquistado. Não conseguimos tudo que os movimentos gostariam, nem os valores e nem as formas, por que há exigências que são desafiadoras, por exemplo, garantia de assistência técnica, então requer que os trabalhadores se cadastrem nas assistências técnicas e requer também que as organizações se preparem, requer que tenhamos nos estados e nos municípios um maior apoio sobre isso.
BdF: Quais principais medidas que o PL institui?
Nenem: Temos três grandes linhas, o auxílio emergencial, o crédito para produzir, a comercialização através desse novo programa emergencial de atendimento à agricultura familiar e a renegociação das dívidas. No que se trata ao auxílio, ele está vinculado a cinco parcelas de R$600, se for acessado por mulheres chefes de família a parcela dobra, ou seja, vai para R$1200 cada parcela. Além disso, ele reconhece que os trabalhadores não perderão a condição especial, para qualquer outro auxílio.
Uma outra medida é o fomento para a produção, principalmente para aquela pequena, dos quintais, das hortas, que é uma agricultura que atinge muito os feirantes, é um fomento sem devolução, ou seja, os trabalhadores não precisam devolver, é para fomentar a produção, o valor é de R$2.500 por família e se for acessado por mulheres, ele passa para R$3.500. Durante o período do fomento, se os trabalhadores optarem por alguma tecnologia de captação de água, ele pode ser acessado e, nesse caso, o valor chega até R$3.500. Uma outra questão é do crédito emergencial, que é no valor de R$10.000, esse precisa ser devolvido, o juro é de 1% ao ano e tem um abatimento de R$300 no pagamento, a carência é de cinco anos e você pode pagar em até 10 anos, se acessado por mulheres o juro vai para 0,5% ao ano e tem um abatimento de 20% quando for fazer a quitação.
Há também o Programa Emergencial de Atendimento à Agricultura Familiar, ele tem as mesmas condições e características do PAA só que ele tem esse caráter emergencial, o programa garante que os trabalhadores que não venderam no PAA durante 2019 e 2020 eles possam acessar até R$4.000 por família, no caso de mulher, até R$5.000, então há essa possibilidade para vender os produtos sob a modalidade de doação simultânea. O poder público deverá indicar quais instituições que receberão esses produtos. Há também o processo de renegociação das dívidas, todas as famílias que não conseguiram pagar os seus empréstimos ou que estão com parcelas vencendo agora, essas dívidas podem ser renegociadas.
Edição: Monyse Ravena