Ceará

Solidariedade

Artigo | A solidariedade demonstra que outra relação com a cidade é possível

Não deve gerar espanto quando movimentos populares como o MTST doam toneladas nas periferias deste país

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
O mundo é rodeado de injustiças, e uma delas é a produzida em uma cidade onde há “muita casa sem gente, e muita gente sem casa”. - Foto: Leandro Molina

Por esses dias fui assistido por uma ação de solidariedade. Advinha quem estava doando cestas básicas, máscaras, alimentando quem está com fome nessa pandemia? O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), você não ouviu errado, o “invasor de terras”, do Guilherme Boulos. Isso pode te causar espanto, em nós, não. Desde 2015 atuamos nessa trincheira, garantir um futuro melhor para nossos filhos e netos. Ocupações, atos de rua, com chuva e sol, aprendendo coisas que somente a luta popular nos ensina.

Contudo, mesmo você ouvindo tudo isso ainda deve nos chamar de “desocupados”, ou nos questionar, são cristãos e defendem esse tipo de coisa? Respondo sem medo de erra, a luta do MTST não escandaliza Jesus, pode escandalizar líderes religiosos que anseiam por um projeto de poder, baseado no egoísmo, ou no mito da meritocracia. O homem de Nazaré nos diz que “Felizes os que têm fome e sede de justiça, pois serão satisfeitos” (Mt. 5:6). O mundo é rodeado de injustiças, e uma delas é a produzida em uma cidade onde há “muita casa sem gente, e muita gente sem casa”. Não é pecado lutar por uma cidade justa. 

Os profetas, homens que ecoavam a própria indignação de Deus não denúncia lutar por justiça, mas denunciam o acúmulo desenfreado de terras que graves abismos entre ricos e pobres, nos diz o profeta Isaías, “Ai dos que ajuntam casa a casa, reúnem campo a campo, até que não haja mais lugar, e fiquem como únicos moradores no meio da terra!”. Ou seja, os lutadores do MTST não são bandidos, mas representam a letra viva da denúncia profética, que essa forma de pensar a cidade, o campo, a vida, onde muitos tem pouco, e poucos tem muito, não condiz com anseio de justiça pregado pelos profetas e reafirmado por Jesus Cristo.

Para concluirmos essa prosa ao “ocupar”, fazer atos de ruas, denunciar a injustiça, os lutadores e lutadoras sociais cumprem a vocação profética que grande parte das nossas igrejas deixa a largo, pois está preocupada com as pompas, com o poder, por ser reconhecidas por governantes perversos. Além disso, essa denúncia vem contida de um anúncio, isto é, afirma que outra cidade, outro mundo é possível, com mais solidariedade, empatia, um mundo mais fraterno. Não nos deve gerar espanto algum quando movimentos como o MTST doam toneladas de alimentos a famílias carentes das periferias deste país, ou quando o Movimento Sem Terra (MST) doa toneladas de alimentos orgânicos produzidos por famílias assentadas. Isso não é ponto fora da curva, fazem isso todos os dias, dando voz a quem não tem.

*Militante do MTST e articulador do Fé e Afeto Cristão.

Edição: Monyse Ravena