Era início da década de 1930, no Brasil, as ligas e torneios oficiais de futebol ainda eram organizadas e jogadas pelos mais ricos. No Ceará, as secas e o latifúndio assolavam a população do campo, fazendo com que houvesse grandes ondas migratórias para os bairros mais periféricos da capital, Fortaleza. A Rede de Viação Cearense (RVC) instalou oficinas de reparo e manutenção de locomotivas, carros e vagões na região do Urubu, onde hoje funciona a sede da Transnordestina. Para acelerar o reparo do maquinário ferroviário a diretoria da RVC estabeleceu horas extras noturnas que iam das 18 às 20 horas, tendo o expediente regular indo até às 16 horas e 25 minutos.
Tendo esse tempo ocioso imposto, os operários da RVC, mais notadamente os jovens e que moravam longe, começaram a organizar a preparação de um campo de futebol improvisado. Compraram uma bola, ajeitaram o terreno e montaram dois times, Matapasto e Jurubeba, nomes de ervas que tinham acabado de limpar do que se tornaria o primeiro campo de treino do Ferroviário Atlético Clube. Com o tempo, a empreitada operária chamou a atenção do chefe do escritório de manutenção da RVC, Valdemar Cabral Caracas, que dividia com os trabalhadores da empresa o grande interesse por futebol. Foi no dia 9 de maio de 1933 que, através de sessão com livro de atas, os dois times operários se transformavam em apenas um.
Na década de 1920, havia proibição em obter vantagens financeiras em troca de jogar futebol, considerado até um desrespeito com o esporte, mas alguns clubes burlavam a proibição empregando esses jogadores em seus estabelecimentos comerciais, fábricas ou retribuindo através de carneiros, galinhas e bodes. O meio esportivo competitivo era, majoritariamente, formado por times de jogadores abastados, os “sportmen”. Já na década de 1930 começou, a partir do Rio de Janeiro e São Paulo, a profissionalização do futebol, e que, no Ceará, encontrou grande resistência por parte de vários dirigentes dos clubes, alegava-se que seria uma deturpação do esporte. Já o Ferroviário, pela relação que mantinha com a RVC e com o influente Valdemar Caracas, podia atrair jogadores de destaque oferecendo bons empregos na ferrovia.
De acordo com o historiador Airton de Farias, o Ferroviário não abraça o profissionalismo neste momento, “para que os outros times consigam jogadores bons, vão ter que profissionalizar, remunerar seus atletas, pagando valores que os tornem mais atrativos que o emprego na ferrovia, nesse sentido, o ‘semi’ profissionalismo que o Ferroviário prática, pelo prestígio da RVC, induz os demais times a se profissionalizar, isso acontece final dos anos 1930, início dos anos 1940, embora houvesse enorme resistência.”
Dois momentos da história política do Brasil ameaçaram a existência do Ferroviário. O primeiro foi durante a mandado do Presidente Juscelino Kubitscheck, quando houve a mudança do padrão de transporte de cargas, o que antes era investido em ferrovias, passou a ser investido na construção de estradas, vários outros times ferroviários findam com a política implementada pelo presidente. O segundo momento é quando toda rede ferroviária federal é privatizada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), parte do financiamento do Ferroviário era advindo de descontos em folha dos trabalhadores da RVC, com a privatização esse recurso deixa de existir, colocando o time em uma grave crise financeira, mesmo tendo conquistado o bicampeonato em 1994 e 1995.
Nascido em 1941, Francisco Gonçalves Leite, é torcedor do Ferroviário desde 1953. Afirma que o encanto pelo time surgiu ao vê-lo passar no trem. “Naquele tempo eu morava bem pertinho, e ia para estação, aí desciam os jogadores do Ferroviário, Macaco, Pacuti, Fernando, Aldo, cada jogador”. Parte destes atletas foram campeões cearenses pelo Ferroviário nos anos de 1950 e 1952. Leite, como é conhecido pela torcida, acompanhou várias vitórias do seu time nas arquibancadas. O Ferroviário foi campeão cearense nove vezes, vice-campeão outas 22. O título de maior projeção nacional foi o Campeonato Brasileiro da Série D em 2018. Atualmente jogando na série C, o Ferroviário promete muitas alegrias para os seus torcedores.
Edição: Monyse Ravena