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Artigo | Na contramão da repressão, a periferia resiste com cultura e organização

Historicamente a política pública de cultura é negligenciada nas periferias brasileiras

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
"Seguiremos resistindo como os capoeiristas e os sambistas resistem até hoje"
"Seguiremos resistindo como os capoeiristas e os sambistas resistem até hoje" - Levante Popular da Juventude

Proclamada a República no Brasil, inicia-se uma nova fase de criminalização e perseguição à capoeira, manifestação de resistência histórica do povo brasileiro em nosso país, a prática de “capoeiragem” era passível de prisão a partir do Decreto 487 do Código Penal Brasileiro de 11 de Outubro de 1890. Os capoeiristas eram chamados vulgarmente de “vadios” pelo simples fato de realizar rodas de capoeira nas cidades brasileiras e especialmente em locais mais pobres, que era onde se moraram os negros no Brasil. Apenas em 1935 a capoeira deixou de constar como arte proibida e hoje é patrimônio cultural do Brasil.

Além da capoeira, o Samba, que é considerado por muitos o ritmo essencialmente a cara do povo brasileiro, o qual em um primeiro momento tinha o intuito de festejar as alegrias de nosso povo, aos poucos foi se ressignificando e também criou-se um caráter de classe, no qual retratava as dificuldades, as desigualdades e as contradições dos grandes centros urbanos brasileiros, se você andasse com um pandeiro pelas ruas do Brasil no início do século XX era bem possível ir para a cadeia. Até a década de 1970 a polícia também proibia frequentemente ensaios das escolas de samba por exemplo, o grande mestre Cartola protestou contra uma ação da ditadura militar proibindo um ensaio da escola de samba da Mangueira.

Bem, mais de 100 anos depois, o Senado Federal analisa proposta que criminalizar o Funk no Brasil. Sim, essas ações estão interligadas historicamente e tem acima de tudo uma visão classista em que apresentam nas suas entrelinhas a seguinte afirmação: “se é feito na periferia pelo povo pobre é coisa de vagabundo, não presta e deve ser proibido”.

No Ceará, estamos observando cada vez mais práticas abusivas da Polícia Militar Estadual se acabar com as mais diversas formas de manifestação cultural organizada por jovens nas periferias, seja em praças públicas ou em até locais particulares. Sejam os “Reggaes”, os “rolezinhos”, os “saraus”, os “Forrós de Favela” ou outros, a Polícia Militar do Ceará vem frequentemente colocando tais ações como ilegais e acabando com tais eventos, na justificativa? Bem, na maioria das vezes, pela simples vontade desses policiais. Exemplos recentes foi no dia 31 de março de 2019 com o sarau "Levante Pela Paz" organizado pelo Levante Popular da Juventude no Cidade Jardim 2, bairro José Walter e também no dia 13 de abril de 2019 no Jangurussu a partir do sarau organizado pela companhia Bate Palmas e vou mais longe, no ano passado a PM acabou com um evento cultural dentro do Centro Urbano de Cultura e Arte, equipamento para a juventude da Prefeitura de Fortaleza.

Não nos resta dúvida que historicamente a política pública de cultura é negligenciada nas periferias brasileiras, ao mesmo tempo a periferia pulsa cultura, trazendo como forma de resistência manifestações culturais das diversas formas como característica de resistência do povo brasileiro.Tais iniciativas culturais nas periferias são de grande importância para o povo cearense e em especial a juventude, onde muitas vezes se trata de uma forma de organização popular e avanço da consciência desses jovens, além do trabalho social feito a partir da cultura nesses locais. Talvez o principal acesso que a juventude cearense tenha hoje é organizado por eles mesmo, ou como costumamos dizer é “nós por nós”.

Seguiremos resistindo como os capoeiristas e os sambistas resistem até hoje, afinal, um povo sem cultura é um povo cego, nós queremos enxergar, quereremos também desfrutar da arte, e contribuir na construção de um outro projeto de sociedade.

*Miguel Braz Moreira é da Coordenação Nacional do Levante Popular da Juventude, morador do Cidade Jardim e Advogado Popular membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/CE.

Edição: Monyse Ravena