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Pandemia

Artigo | Cloroquina e isolamento vertical: uma farsa política

Isolamento vertical não existe, não tem em nenhum livro, não consta em nenhum lugar que deu certo

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Marcelo Casal/Agencia Brasil
"De uma coisa eu não tenho nenhuma dúvida, a cura virá dos cientistas em seus laboratórios" - Marcelo Casal/Agencia Brasil

Nos últimos dias não se fala em outra coisa senão do famoso coronavírus, em pouco tempo uma “gripezinha” que saiu lá da China tomou proporções gigantescas e hoje ameaça a própria sobrevivência humana. Nesses momentos de desespero todo mundo reza para um milagre, que um cientista mexa nos seus tubos de ensaio e diga “Eureka! Achei a cura misteriosa” e de repente todos voltarmos a nossas vidas normais.
As redes sociais se inundaram desses produtos milagrosos e até o presidente sabe como nos curar dessa terrível doença. Cloroquina! Cloroquina! Gritam aos quatro cantos. E dizem mais, que esse negócio de ficar em casa não funciona, vamos deixar só os idosos trancados e problema resolvido, eis o isolamento vertical. 
Será que a cura realmente estava na nossa frente o tempo todo, uma medicação fácil e barata, produzida no Brasil? E que todos nós devemos voltar a trabalhar, afinal é só uma “gripezinha”?
Existe um problema muito sério nessas coisas, simplesmente essas soluções não existem. A pseudociência (ciência de mentira) é usada aqui para montar uma farsa política e tanto a cloroquina quanto o isolamento vertical são sintomas dessa mesma doença. 
Vou tentar explicar bem brevemente, primeiro sobre a cloroquina. Este medicamento é bem antigo e trata diversas doenças, inclusive a malária, e alguns cientistas testaram para matar o novo coronavírus. E realmente deu certo, em células de laboratório. Então se um medicamento serve em laboratório, também serve para as pessoas? Errado! Existe um longo caminho entre essas duas coisas, dizer que essa medicação cura as pessoas é uma grande irresponsabilidade, porque nenhum bom estudo de nenhum lugar falou isso. Inclusive novos estudos estão dizendo que esse remédio talvez tenha mais efeitos colaterais que benefícios para as pessoas com COVID-19.
Em segundo, sobre o isolamento vertical, sobre ficarem em casa somente os idosos e quem é grupo de risco para a doença grave. Nesse eu vou gastar bem poucas palavras para dizer: isolamento vertical não existe, não tem em nenhum livro, não consta em nenhum lugar que deu certo. Até agora onde estão conseguindo sucesso todo mundo está em casa e quem demorou para fazer o isolamento social está pagando um preço muito caro, mortes e mais mortes. Não adianta deixar apenas algumas pessoas em casa e ir trabalhar, porque nós voltamos para casa e levamos também o vírus. 
De uma coisa eu não tenho nenhuma dúvida, a cura virá dos cientistas em seus laboratórios, mas o trabalho deles não é mágico, é complicado e digo mais, é demorado. Isso parece contraditório, esperar é a última coisa que precisamos agora, pessoas estão morrendo e nós temos pressa, muita pressa. 
O trabalho científico é demorado, mas tem uma razão de ser assim. Nos laboratórios as coisas são testadas várias e várias vezes, e dão errado em quase todas, depois são testadas de novo e de novo e mais uma vez, assim se garante que o resultado é confiável, que realmente aquele remédio funciona, que ele não vai matar mais que a doença. O que a gente menos precisa nesse momento é de uma mentira e muito menos que essa mentira seja a salvação.
Mesmo que seja comprovada a eficácia de qualquer medicação por um estudo muito bom, estavam certos os que pediram cautela, os que tinham dúvidas e tomaram como hipótese e não como milagre. Então cuidado, virão outros medicamentos e outras fórmulas mágicas que prometem o fim de tudo, uma farsa que distorce, inventa e mente, uma farsa que está no alto dos prédios, enquanto o trabalhador está na rua, morrendo. 

*Samuel Átila é integrante da Rede de Médicos e Médicas Populares no Ceará

Edição: Monyse Ravena